“Vírus dos despedimentos” também é pandemia
A emergência sanitária da covid-19 desencadeou uma crise paralela no mercado do trabalho e “o vírus dos despedimentos devia ser tratado como uma pandemia e não está a ser”, alerta o economista José Castro Caldas.
“O vírus dos despedimentos tem de ser tratado como uma pandemia e com meios tão poderosos como os que estão a ser mobilizados na área da saúde”, defende.
António Brandão Moniz, professor na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, tem estado a acompanhar os impactos e as tendências no mercado do trabalho e diz que já dá para perceber que “muitas empresas querem recorrer a essa solução de despedir pessoal”, começando, desde logo, pelos trabalhadores em situações mais precárias.
“Poderemos ter aqui um efeito, espero que não devastador, mas muito significativo”, prevê.
A situação de pandemia provocou “um choque tremendo, concentrado no tempo e, neste caso, justificado por razões de saúde pública”, sobre o qual o Estado teve que intervir com “a escassez de instrumentos de proteção dos trabalhadores face àquilo que muitos imaginavam que seria a eficácia desses mesmos instrumentos”, assinala o sociólogo Paulo Pedroso.
“Ainda estamos no processo evolutivo e julgo que a adaptação do ‘lay-off’ permitiu travar o impacto imediato para o conjunto dos assalariados em situações típicas de trabalho”, avalia, alertando, porém, que os outros, “os atípicos”, ficaram de fora.
A adaptação do mecanismo do ‘lay-off’, previsto no Código do Trabalho e que se destina a manter os postos de trabalho, “conseguiu estancar uma parte dos efeitos negativos imediatos, porque permitiu que não houvesse uma onda de despedimentos tão grande como em países que não dispõem deste tipo de instrumento”, compara o antigo ministro do Trabalho.
De tudo o que está a acontecer, “o ‘lay-off’ ainda é o menor dos problemas”, quando comparado com a situação de grupos socioprofissionais que estão muito menos protegidos, admite o economista José Castro Caldas.
“A questão é saber se, no fim do ‘lay-off’, as empresas vão reabrir e reabrir com o mesmo nível de emprego”, frisa.
A legislação “não estava preparada” -- como “ninguém estava preparado” -- para este cenário de “filme de ficção científica”, admite João Leal Amado, professor na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Esta crise provocou “um tsunami” que vai “destruir muita coisa no seu caminho”, observa, para constatar que “não há e não havia capacidade de prever, nem o Direito que existia estava em condições de dar resposta àquilo que agora apareceu”.
O ‘lay-off’ “não é uma figura nova, foi agilizado, simplificado, tornou-se mais rápido para as empresas recorrerem a esse mecanismo”, nota.
Mas “não se consegue travar um tsunami com um diploma sobre esta ou aquela matéria”, vinca, considerando que “aqui ou ali, [o Governo] podia ter ido mais longe”.
O Governo deu “alguns passos -- não todos mas alguns --, mas não é fácil legislar e resolver os problemas no meio do tsunami”, reconhece.
Se, por um lado, as medidas não são suficientes, por outro, “o Direito tem os seus limites” e não se pode ter “a ilusão” de que conseguirá, “por artes mágicas”, evitar o desemprego, assinala.
Antecipando um “impacto brutal” na economia nacional, o professor de Direito do Trabalho realça que o emprego e o desemprego decorrem da economia, da procura, do consumo, do mercado, no fundo.
“O papel do Direito do Trabalho é tentar salvaguardar, dentro do possível, os direitos dos trabalhadores. A lei prevê que um trabalhador possa ser despedido com base em razões económicas, do mercado, não pode evitar isso. O que tenta é que esse despedimento seja justo e acompanhado do pagamento de compensações”, realça.
“Vai haver uma depressão, é evidente que vai haver desemprego. O que temos é de salvaguardar as pessoas o melhor possível no desemprego”, sublinha.
“Esta é uma crise particularmente aguda e as consequências vão fazer-se sentir a prazo”, antecipa, frisando que o foco deve ser “tentar, tanto quanto possível, amortizar esses efeitos negativos, defender os direitos dos trabalhadores, não permitir despedimentos ilegais, apoiar apenas com dinheiros públicos as empresas que se comprometam pelo menos durante algum tempo a não despedir”.