Portugal tem “bom currículo” nos direitos humanos, mas violações persistem
O “bom curriculum” de Portugal em matéria de direitos humanos foi hoje destacado pelo Governo numa sessão, em Lisboa, que deixou também alertas para os riscos da desvalorização de algumas das violações que persistem no país.
“Portugal tem um bom currículo, um bom registo em matérias de direitos humanos, mas a circunstância de os direitos humanos constituírem um processo não nos permite esquecer que persistem, de facto, entre nós, espaços de violação”, disse a ministra da Justiça.
Francisca Van Dunem falava no Palácio das Necessidades, em Lisboa, durante a apresentação do programa das comemorações dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos 40 anos da adesão de Portugal à Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Van Dunem apontou como exemplos as discriminações que “acontecem todos os dias” em função da raça, do género, da orientação sexual ou da religião e da deficiência.
“Um conjunto de factores e estereótipos sociais que permanecem arreigados nas nossas sociedades e que permitem que os cidadãos sejam objectivamente discriminados ou maltratados”, disse.
No mesmo sentido, a secretária de Estado da Cidadania e Igualdade, Rosa Monteiro, lembrou que as violações dos direitos humanos não acontecem apenas em lugares remotos.
“Acontecem aqui mesmo e todos os dias”, afirmou, apontando as quase 27 mil participações por violência doméstica, as 16 mulheres mortas neste contexto em 2018, as quase 7.000 mulheres vítimas de mutilação genital em 2015.
Rosa Monteiro lembrou igualmente as 206 queixas apresentadas este ano por discriminação racial, as condições precárias de habitação de mais de metade da população cigana e os mais de três mil refugiados acolhidos por Portugal desde 2015.
As diferenças salariais entre homens e mulheres, a pouca representação política feminina, a discriminação da comunidade LGBTI nas escolas e a existência de 175 vítimas de tráfico de seres humanos em 2017 foram outros exemplos apontados pela responsável.
“É com demasiada facilidade que nos esquecemos que aquilo que tão facilmente banalizamos nas conversas, na comunicação social, nos comportamentos e práticas, são uma violação de um ou vários direitos humanos. São violações que deixaram de nos incomodar enquanto sociedade, que passaram a ser violações menores, com as quais convivemos e são tantas vezes relativizadas”, disse.
Por isso, as comemorações dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos 40 anos da adesão de Portugal à Convenção Europeia dos Direitos Humanos visam colocar as questões dos direitos humanos no centro do debate público.
“Tendemos a não apreciar aquilo que temos por seguro. Portugal pode orgulhar-se de ser um país pacífico e com alto nível de protecção dos direitos humanos, mas não podemos esquecer-nos de que nada pode ser dado como adquirido”, defendeu, por seu lado, o comissário das comemorações, Vital Moreira.
Para Vital Moreira, a ideia das comemorações é que os direitos humanos sejam “um património dos cidadãos em geral”, levando “os desafios atuais” ao debate público com o objectivo de melhorar a sua protecção”.
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, adiantou que as comemorações servirão também para evocar e homenagear os responsáveis “pela decisão fundamental” de adesão aos pactos internacionais sobre direitos humanos.
“Através destas comemorações homenageamos aqueles que no primeiro governo constitucional português decidiram a nossa adesão”, disse, referindo-se a Mário Soares e Medeiros Ferreira, então primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros, respectivamente.