Portugal ainda tem grandes desafios na habitação e discriminação
Portugal tem ainda grandes desafios em termos de direitos humanos, nomeadamente no acesso à habitação e nas questões de discriminação, de acordo com a Amnistia Internacional (AI), que hoje divulga o relatório anual para a Europa relativo a 2019.
Em entrevista à agência Lusa, Pedro Neto, director executivo da AI Portugal identificou estas duas áreas como sendo as mais deficitárias em termos de direitos humanos no país.
Se nos direitos de liberdade de expressão e de reunião, Portugal está melhor e vive um ambiente mais respeitador do que outros países europeus, como a Polónia ou a Hungria, nos direitos económicos e sociais, está “mais atrás” face a outros parceiros europeus, “muito pelos problemas da discriminação e da situação económica das famílias e dos indivíduos”, observou Pedro Neto.
“Os níveis de pobreza em Portugal são bastante maiores e mais relevantes do que noutros países”, sublinhou.
O responsável da AI considerou que Portugal enfrenta “importantes desafios” no acesso à habitação, pela pressão exercida pelas comunidades de imigrantes que procuram uma vida melhor no país, mas sobretudo pela especulação imobiliária e pelo desenvolvimento de um mercado de luxo.
“Muito mais contribuiu para a realidade da habitação, a pressão externa, como os vistos gold. A realidade do mercado imobiliário nos últimos anos aumentou muito, sobretudo pela procura estrangeira, não de imigrantes, que esses vieram para habitações de classe média, mas sobretudo investimentos de luxo, que vieram trazer muita pressão”, disse.
Pedro Neto defendeu também que falta regulamentação para permitir que haja oferta de habitação para classe média e baixa: “Habitação condigna e que nos permita ter acesso a esse direito universal e fundamental, que é o direito a habitação garantido em Portugal”.
No direito à habitação continuam a estar nas preocupações da AI os bairros informais (construções precárias).
“Esta crise sanitária que vivemos agora [pandemia de covid-19] felizmente parou com estes desalojamentos forçados nestes últimos meses. Eles ocorreram em 2019 e já em 2020 também e a uma velocidade grande”, constatou.
Este é um dos pontos do relatório que a organização hoje divulga, com uma chamada de atenção especial para a situação das crianças.
“O problema dos bairros informais é que a complexidade da situação é grande, ou seja, muitas pessoas que vivem nestes bairros informais são pessoas que se instalaram algumas há mais de 30 anos e que ficaram fora do PER”, explicou, referindo-se ao antigo Programa Especial de Realojamento.
“São pessoas que trabalharam toda a sua vida, mas que mesmo assim os seus rendimentos não eram suficientes para adquirirem ou arrendarem uma habitação mais condigna”, recordou.
De acordo com o mesmo responsável, muitas vezes as alternativas oferecidas aos desalojamentos “não eram condignas ou não eram fáceis de adoptar”.
“Algumas vezes foram oferecidas situações de alojamento alternativo com o pagamento de duas rendas, mas numa situação em que tínhamos rendas altíssimas, e isto é sobretudo mais grave ainda nos subúrbios das grandes zonas metropolitanas, Lisboa e Porto. Esta solução não era implementável em famílias com baixo rendimento”, advertiu.
Este, garantiu, é “um problema complexo”, porque cruza vários factores, entre eles a discriminação racial.
“Outra solução que foi apresentada algumas vezes a algumas pessoas era um bilhete de regresso ao país de origem, quando são pessoas que estão cá há mais de 35 ou 40 anos, pessoas que são portuguesas. Portanto, não há país de origem para regressar”, declarou.
Todas estas questões, sublinhou, estão muito relacionadas com o direito humanitário internacional, “com o direito humanitário no acesso à habitação, a que o governo, tanto o governo nacional como os governos locais, através das câmaras municipais, estão obrigados, porque são tratados que Portugal subscreveu”.
Para Pedro Neto, “o mais deficitário e o mais urgente”, em termos de direitos humanos, a nível nacional, são as questões ligadas à habitação e à discriminação, seja racial, de género ou por condição física.
“Por todo o mundo, e Portugal não é excepção, vivemos desafios importantes, quer na discriminação racial, quer nas condições de trabalho e nas questões de género, quer também face à pressão e a muitos migrantes que vieram para cá, especialmente de países onde as condições estão piores”, alertou.
“Também em relação às pessoas portadoras de deficiência e com mobilidade reduzida, continuamos a ter desafios importantes no que diz respeito aos direitos humanos em Portugal”, defendeu Pedro Neto.
Há ainda questões transversais, como os direitos das crianças e dos idosos e a multidiscriminação: “Uma mulher que é negra e pobre é alvo de várias condicionantes que recaem sobre ela. O facto de ser mulher, o facto de ser negra, o facto de ser pobre, pesam ainda mais naquilo que é a sua vida do dia-a-dia e no acesso aos seus direitos”, exemplificou.
O relatório da AI sobre os direitos humanos na Europa em 2019 assinala a condenação de oito polícias, na sequência de um processo em que 17 agentes foram acusados de agressões, sequestro e injúrias, com motivação racial, contra seis jovens de ascendência africana residentes no Bairro da Cova da Moura, Amadora.
No documento lê-se ainda que o Subcomité das Nações Unidas para a Prevenção da Tortura e outros Tratamentos Desumanos, Degradantes ou Punitivos recomendou que Portugal investigasse alegações de maus tratos em detenção, assegurasse acesso a assistência médica aos presos e providenciasse um sistema prisional de reclamações, entre outras questões.
Segundo os relatores, “Portugal falhou na criação de um órgão independente para investigar a má conduta por agentes da lei”.