A importância dos direitos humanos
As pessoas,o mundo em geral, começam a compreender que a pobreza é uma questão de direitos humanos
Quando peguei na caneta para escrever este meu artigo, lembrei-me de uma frase de Almada Negreiros que nos dizia: “Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam escritas, só faltava uma coisa – Salvar a Humanidade”.
Quando a história concretiza uma das suas grandes viragens, quase sempre nos deparamos com o imprevisível, o irracional, o obscuro, o violento e nem sempre nos deparamos com o bem. Já outras vezes o mundo foi também governado por demónios...
Numa sociedade cada vez mais diversificada e contrastante, num contexto de acrescida competitividade e de diluição dos valores de solidariedade, tende a ampliar-se também em Portugal, o fosso que separa os “vencedores” dos “vencidos”, os incluídos dos que são excluídos. Ora, a coesão de uma sociedade passa não apenas por potenciar os seus fatores de convergência e de homogeneidade, mas também pela construção de novos mecanismos ativos de solidariedade, que potenciem a solidariedade cidadã, a solidariedade entre as pessoas tanto no plano social, como no plano territorial ou mesmo na relação de solidariedade entre gerações.
Sucede que entre nós está profundamente enraizada uma matriz igualitária e no nosso imaginário coletivo tendemos, por via de regra, a confundir igualdade com igualitarismo e, curiosamente, desta propensão para o igualitarismo padecem correntes ideológicas muito diferentes entre si, as quais às vezes dir-se-iam verdadeiramente em posições antagónicas na sociedade portuguesa. Só que esta tentação igualitarista aumenta a inveja, sufoca o reconhecimento do mérito e a construção de um modelo de recompensa e de reconhecimento social em função do menor denominador comum. Não é, pois, nessas tradições igualitaristas que poderá ser encontrada uma resposta adequada às novas desigualdades como as que somos confrontados no mundo global em que vivemos.
Então, onde reside essa resposta? No meu entendimento a resposta terá que residir no reconhecimento de duas vias de solução que nem sempre são facilmente compagináveis. A primeira passa pelo reconhecimento do combate à pobreza e à exclusão social como tarefa partilhada pelo Estado e pela sociedade. Ora, nem sempre em Portugal as experiências concretas do combate à pobreza e à exclusão social têm permitido tirar o melhor resultado desta conjunção de esforços entre o Estado e a sociedade civil. É que a fratura social em matéria de pobreza não é haver pobres, a fratura social existe a partir do momento em que não há esperança para que os pobres deixem de ser pobres e esta questão da esperança, da expectativa dos pobres deixarem de ser pobres, tem vindo a perder horizontes, o que leva à perceção de que a pobreza e a exclusão se agravam na sociedade portuguesa.
A segunda via de resposta tem a ver com a adoção pelos países de um plano ou agenda nacional de direitos humanos, que seja global, sistemático, abrangente e transversal e que cubra as várias matérias de direitos humanos. Tal plano de ação, ou agenda, deve sistematizar a implementação de todas as obrigações a que estão sujeitas as várias instituições do estado português, sem deixar de promover o diálogo e a participação da sociedade civil. E deve refletir-se em todas as políticas públicas, abranger todos os sectores da administração pública e todos os direitos humanos, visando assegurar da parte do Estado o respeito permanente das suas obrigações de direitos humanos e do princípio da igualdade.
Há setenta anos as Nações Unidas adotaram a Declaração dos Direitos Humanos, a primeira proclamação internacional inerente à dignidade e igualdade de direitos de todos os seres humanos. Até ao momento a Declaração continua a ser a referência mais importante para a discussão para os valores éticos em todos os grupos nacionais, ideológicos e culturais. No entanto, a visão esclarecida da Declaração sobre liberdade individual, proteção social, oportunidade económica e dever para com a comunidade está ainda por preencher.
Hoje, os líderes em todo o mundo têm de enfrentar múltiplos desafios, desde a crise económica global, às alterações climáticas e degradação ambiental, dos conflitos armados e instabilidade política, à fome e doenças pandémicas. No entanto, um desafio se destaca, a situação difícil de cerca de 3 mil milhões de pessoas que vivem em situações de pobreza e são incapazes de encontrar solução para as suas necessidades quotidianas de habitação adequada, alimentação, saúde, água potável, ou habitação para os seus filhos.
A pobreza é possivelmente a nossa maior vergonha. Enquanto subsistirem grandes desigualdades entre ricos e pobres, não podemos pretender estar a fazer progressos adequados para concretizar as ambições estabelecidas quando da adoção da Declaração. A pobreza exige a nossa atenção não só pela dimensão do sofrimento que envolve, mas também porque são os pobres quem mais sofrerá se falharmos a solução a outros desafios globais.
A violência da guerra ou a que é desencadeada por crises políticas, as ameaças aos meios de subsistência colocadas pelas alterações climáticas e pelo colapso económico, a propagação de doenças – são, entre muitos outros, riscos que atingem sempre os mais pobres de forma mais dura.
Além disso, mantêm as pessoas na pobreza. Tal como o faz a discriminação generalizada, especialmente a que é experienciada por mulheres e raparigas, negando aos pobres as liberdades fundamentais de que necessitam para se organizarem para defender os seus interesses e excluindo-os dos sistemas de justiça que poderiam proteger os seus bens, ainda que escassos.
As pessoas, o mundo em geral, começam a compreender que a pobreza é uma questão de direitos humanos. A importância dos direitos humanos vai, para além da subsistência e das liberdades de que precisam para fazer progressos. Vai para além do argumento moral. De facto, mesmo quando apela a valores universais podemos afirmar que proteger os direitos dos pobres, protege os direitos de subsistência e proporciona proteção contra a violência e a discriminação, assegura as liberdades fundamentais. Dá aos pobres uma voz que lhes permite desempenhar um papel importante na determinação do seu futuro. É importante recordar que, as necessidades básicas como a alimentação e a habitação são direitos humanos que não podem ser satisfeitos pelo mercado por si só.
Hoje, não posso deixar de reafirmar este apelo ao respeito pelos direitos humanos como um apelo aos valores universais que partilhamos enquanto seres humanos ultrapassando fronteiras, culturas e ideologias.
A ideia de direitos humanos apresenta de facto várias virtudes, nomeadamente é um instrumento de defesa contra todas as tendências totalitárias e despóticas do Estado, é o que melhor garante a diversidade cultural e religiosa de membros de grupos minoritários, o que é fundamental nas sociedades multiculturais contemporâneas e exige um mínimo de justiça social.
Por outro lado, dada a aceitação dos direitos humanos nas sociedades ocidentais e a crescente familiaridade nas outras sociedades, o atual sistema internacional de direitos humanos apresenta-se, por enquanto, como a melhor alternativa para o bem comum da humanidade.