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Projecto dá uma refeição diária a crianças nos bairros da Venezuela

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As crianças desmaiavam de fraqueza, porque só comiam quando havia escola. Estávamos em julho de 2016. Esse alerta gerou um programa de alimentação para crianças. Hoje são 27 cantinas num município de Caracas, 85 no país. Há 7.500 crianças abrangidas.

Coco Frio é uma zona popular, no topo de um morro de uma das maiores áreas urbanas de Caracas, Catia. Há seis meses nasceu ali mais uma cantina. É a 27.ª que a organização não-governamental (ONG) Alimenta a Solidariedade criou para dar almoço a cerca de meia centena de crianças.

A cantina fica numa das divisões da casa de Francis Mendes, uma jovem mãe que alinhou no projeto e participa como colaboradora. A casa está inacabada, por rebocar, vê-se através dos pequenos espaços entre tijolos das paredes. Mas tem uma vista incrível para uma grande favela ao fundo do vale e até se vê o mar das Caraíbas por cima do monte Ávila.

Francis explica que “as mães estão muito agradecidas por esta ajuda importante” e lembra que, em muitos casos, “esta é a melhor alimentação que as crianças têm, com proteínas e vitaminas”.

As crianças vão chegando pouco depois das 11:30. Primeiro duas. Trazem na mão uns saquinhos com o pratinho, o copo, os talheres. Primeiro passo é lavar as mãos. Depois, sentam-se e rezam conjuntamente com uma das mães: ‘Gracias senhor, por tu alimento...’. Hoje o prato foi carne com arroz e salada.

Isamar Azuaje é uma das colaboradoras, tem três filhos que usam a cantina. Dá graças a Deus pela comida, “porque muitos não a têm”.

Cláudia Astor, a coordenadora de comunicação do projeto, lembra que no início houve casos de crianças que tinham tanta fome, comiam tão depressa e tanto, que os seus organismos não estavam habituados e “vomitavam logo a seguir”.

Há algum cuidado para a refeição ser rica em nutrientes para crianças em idade de crescimento. Dão-lhes também suplementos alimentares, vitaminas.

Tudo começou em julho de 2016.

O projeto ‘Mi Convive’, que visa a prevenção da violência nos bairros do município de Libertador, detectou situações de carência alimentar entre os jovens nos meses de verão, quando não havia escola.

“Crianças sem comida desmaiavam de fraqueza. Isso foi um sinal de alerta para Roberto Patiño, que liderava esse projecto”. Nasceu então a Alimenta a Solidariedade.

Começou apenas com uma cantina durante dois meses de férias para 60 crianças, mas rapidamente o projecto foi crescendo e hoje são 27 cantinas só no município de Libertador, 85 cantinas em todo o país, abrangendo 7.500 crianças.

Há vários tipos de cantinas. A maior parte são casas de famílias, as mães cozinham e armazenam os produtos alimentares, organizam tudo para as crianças. A ONG apenas trata do transporte dos alimentos para as cantinas.

“No resto do país são colaboradores a quem damos o ‘know-how’ e eles é que montam todo o sistema. Nós não teríamos recursos humanos para isso”, explica Cláudia Astor.

Os responsáveis do projeto fazem questão de sublinhar que não há qualquer tipo de caridade. “Oferecemos os produtos alimentares e as mães contribuem para o projeto com o seu trabalho comunitário, cozinham, dão a comida aos miúdos, registam tudo, limpam, organizam”.

Também é uma forma de inclusão, fazer com que se sintam a trabalhar a favor da comunidade e, ao mesmo tempo, a “empoderar as mulheres”.

Dada a crise que se vive na Venezuela, Cláudia Astor acredita que o projecto tende a crescer: “Sentimos que há cada vez mais gente com problemas gravíssimos”.

As refeições, só ao almoço, são dadas de segunda a sexta-feira, mas nestes dois dias são reforçadas para compensar os dois dias de fim de semana.

“Sabemos que em alguns casos é a única refeição que alguns miúdos vão ter ao longo do dia”, denuncia.

Cláudia Astor explica que numa família normalmente “só um dos pais tem trabalho e esse ganha o salário mínimo, só dá para um quilo de carne ou um queijo e uma dúzia de ovos...”.

A organização vive de donativos muito variados, fundamentalmente de venezuelanos na diáspora, de empresas privadas e donativos individuais, para além de pessoas amigas que organizam eventos para angariação de fundos.

Também beneficiam de ajudas na compra de produtos. Quando esclarecem a finalidade da aquisição conseguem preços mais baixos.

Há casos pontuais de mulheres grávidas ou com bebés que são ajudadas, reforçando os alimentos. Ou casos de idosos com necessidades.

A maior parte das cantinas são feitas em quartos de casas particulares. Mas há, igualmente, cantinas públicas em espaços abertos da comunidade, outras estão em escolas.

Também existe um serviço médico para fazer controlo dos parâmetros de saúde. Faz-se sempre um rastreio inicial e depois são feitos novos rastreios de três em três meses.

É ainda feita uma desparasitação trimestral, porque “os parasitas ficam com todos os nutrientes da alimentação” e “a água que é distribuída nestes bairros é de péssima qualidade”.

As mulheres que se vão destacando pelo empenho e capacidade no desenvolvimento dos projetos locais são selecionadas para formação mais avançada e podem ficar a desempenhar funções no centro de produção de alimentos para terem um emprego e, ao mesmo tempo, ajudarem a gerar receitas para o projeto. Algumas nunca tinham trabalhado e agora podem ser independentes.

A coordenadora de comunicação do projeto acredita que este um dia possa ser totalmente autossustentável, sem necessidade de donativos, devido ao trabalho das mulheres empreendedoras.