Ana Gomes diz que, com o MAR, Portugal “tem a bandeira nacional à venda”
Ex-eurodeputada e comentadora de TV criticou entrega de migrantes à Líbia e alude há tráfico de armas por embarcações do registo internacional de navios da Madeira
A ex-eurodeputada Ana Gomes, e que actualmente é comentadora de televisão e ainda pondera candidatura à Presidência da República, criticou esta noite o Registo Internacional de Navios da Madeira, apontando o dedo ao Estado português que “tem a bandeira nacional à venda”, frisou.
As considerações foram feitas no habitual espaço de comentário semanal na SIC-Notícias, a propósito de um incidente nas águas costeiras da Líbia, um navio que salvou cerca de 100 migrantes à deriva no Mediterrâneo, mas que forçado pelas autoridades do país, teve de devolver os mesmos.
“Este caso é muito grave, porque é de facto um crime do ponto de vista do direito internacional, é grave violação dos direitos humanos”, começou por comentar. “De facto, temos um navio com armador alemão, com comandante alemão, que obedece às autoridades de Malta para ir salvar os náufragos, mas depois também obedece às autoridades de Malta e vai entregar os náufragos aos traficantes. Porque, na Líbia não há as mínimas condições de segurança, conheço bem a Líbia, a guarda costeira são, de facto, traficantes e torturadores. E entregá-los a essas pessoas é entregá-los à tortura e à morte, à exploração e à traficância”.
Depois deste enquadramento, Ana Gomes atirou: “Eu sei que o MNE (Ministério dos Negócios Estrangeiros, liderado por Augusto Santos Silva) e a ministra do Mar (Ana Paula Vitorino) fizeram tudo o que estava ao seu alcance para impedir a entrega das pessoas, que ainda passaram dois dias a bordo desse navio. Porque esse navio tinha bandeira portuguesa. A verdade é que o capitão obedeceu às autoridades maltesas que, obviamente, actuam completamente ao arrepio e contrariamente ao direito internacional, é uma violação grosseiríssima, e não obedecem às autoridades portuguesas. E porque é que Portugal está no meio disto? Porque o navio tem bandeira portuguesa, porque nós temos a bandeira nacional à venda. E depois dá nisto.”
Ana Gomes disse ainda que esta situação mostra que “não controlamos” os navios que arvoram a bandeira portuguesa pelos mares e inclusive alude possível utilizam de navios registados no MAR para tráfico. “Sabe que no dia em que entregaram essas 98 pessoas, a maior parte jovens e muitas mulheres, havia quatro outros navios de bandeira portuguesa na zona de Misurata, na Líbia. Não acredito nas declarações de que estivessem lá para entregar faias agrícolas ou equipamentos. Pode ser, por exemplo, navios entregues ao tráfico de armas, que é uma das razões principais porque há tanta afluência à Líbia, visto que a Líbia está numa guerra por procuração, designadamente com a Turquia por um lado, a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos, a própria França, o Egipto, do outro. Isto passa-se porque temos uma coisa que vende a bandeira portuguesa, que é o chamado MAR, o registo de cerca de 600 navios acoplado à zona franca da Madeira, ao offshore da Madeira”.
E acrescenta: “Dizem que a Região Autónoma da Madeira ganha qualquer coisa como 15 milhões de euros por ano à conta disso. E a zona franca ganha muito mais, bastante mais. De qualquer forma é absolutamente ridículo expormos a nossa bandeira a este perigo.” E reforça. “Ainda por cima dizem que querem replicar o modelo nos Açores. Espero que isso não aconteça. Espero que se feche, porque obviamente não podemos controlar o que estes navios transportam. E podemos ter mais incidentes destes. Quer dizer, somos um país que tem o secretário-geral das Nações Unidas (António Guterres), que tem o director da OIM (António Vitorino dirige a Organização Internacional das Migrações desde 2018) e estamos, de alguma maneira, a ser envolvidos num grave incidente de violação dos direitos humanos”.
Ana Gomes aponta ainda o dedo à União Europeia, que espera possa protestar junto de Malta o caso dos migrantes, mas que entende ser um “governo de cafajestes (malfeitores), estou farta de o denunciar por outras razões, tem a ver com o assassinato de uma jornalista até hoje não esclarecido, etc. Tudo o que se passa em Malta é, do meu ponto de vista, incompatível com o que deveria exigir-se a um Estado-membro da União Europeia”, frisa, mas volta ao MAR: “A questão do MAR da Madeira que serve para tudo, se calhar para plataformas petrolíferas, navios que se calhar servem todo o tipo de tráficos, até casinos flutuantes estão registados na Madeira. Isto não é tolerável. Não podemos continuar a ter a bandeira nacional à venda neste offshore da Madeira”, concluiu.