O 1.º de Dezembro na década de 60
Neste dia de celebração da independência do país, lembro-me de marchar com orgulho pelas ruas da cidade do Funchal, integrando um grupo da Mocidade Portuguesa, da antiga Escola Industrial e Comercial do Funchal, organização juvenil do regime implantado por Salazar. Esta organização transmitia-nos conceitos de disciplina, unidade de comando e pátria. Era uma forma do regime nos preparar para a guerra que sabíamos existir mas da qual pouco se falava. Esta preparação pré-militar começou na 4ª classe, em Santana, e foi continuada no Ensino Secundário mas agora de forma mais intensa com hino, farda e bandeira. Em frente à Sé, onde os estudantes daquela organização, pertencentes a várias escolas, se concentravam, ouvíamos discursos inflamados de militares, de partida para a guerra, que terminavam quase sempre com uma mensagem muito forte dirigida aos jovens ali presentes “O maior orgulho de qualquer jovem é dar a vida pela pátria”. E só naquele instante percebíamos que devia existir alguma relação entre a Mocidade Portuguesa e a guerra da qual mal ouvíamos falar. Em Lisboa, enquanto estudante, esta data era celebrada com manifestações hostis ao regime organizadas e lideradas por estudantes e pelo célebre Cabrita dirigente do sindicato dos bancários. Havia muita pancadaria e detenções, no Rossio, com a polícia política (PIDE/DGS) muito ativa. Éramos aconselhados a não usar roupa de cor vermelha porque tal era entendido como uma provocação ao regime. Era um 1º de Dezembro no qual a nossa formação política ia no sentido desfavorável à política em vigor. A guerra colonial, condenada por quase toda a comunidade internacional, incluindo a Igreja Católica, a ausência de liberdade política (democracia) e o isolamento do país a nível internacional, com a não permissão da nossa entrada na CEE, constituíam os argumentos mais usados nos discursos pelos adversários do regime. Foi a partir destas vivências que comecei a aperceber-me do país político em que vivia de modo que, quando fui para a tropa, já tinha a noção de que a guerra mesmo que fosse ganha militarmente (casos de Angola e Moçambique) estava perdida do ponto de vista político. Para terminar quero realçar a enorme coragem dos líderes estudantis, determinantes na queda do regime. Não era fácil a sua luta pois muitas das vezes prejudicaram os seus estudos em prol das causas que defendiam. Falo com conhecimento de causa pois tive, como colega de quarto, um desses líderes que passava mais tempo na prisão do que em liberdade. Eram indivíduos à frente do seu tempo que se sacrificaram em prol de princípios cujos benefícios foram para outros. A revolução engoliu os seus heróis dando lugar aos democratas nascidos após o sucesso do golpe.