Condutores madeirenses fogem mais dos acidentes do que os outros portugueses?
Na última quinta-feira, foi notícia no DIÁRIO on-line, em dnoticias.pt, que um carro estacionado numa rua em São Roque, no Funchal, foi seriamente danificado por um outro automóvel. O condutor dessa outra viatura fugiu do local, antes de poder ser identificado.
Condutor embateu em carro estacionado em São Roque e fugiu
Um carro de marca ‘Renault Megane’ foi esta manhã encontrado com danos avultados, no Caminho de São Roque, no Funchal.
A notícia, como muitas outras de conteúdo semelhante, deu brado nas redes sociais, com alguns leitores a acusarem os conterrâneos condutores de falta de civismo e responsabilidade social. Outros atribuem as fugas à irresponsabilidade, mas também à debilidade económica de grande parte da população. Outros, ainda, esquecem o tema de fundo e centram-se na discussão do caso em concreto, recorrendo, por vezes, à ofensa e à manifestação de ódios.
Mas serão os madeirenses diferentes dos demais cidadãos nacionais, no que respeita à fuga após acidentes automóveis, como sugerido em alguns dos comentários?
Antes de procedermos à verificação dos factos, exige-se uma nota prévia. Vamos tentar perceber que dimensão tem na Madeira a fuga a acidentes, não sendo nosso propósito fazer qualquer juízo de valor sobre tais comportamentos. Vamos verificar apenas que proporção tem e se há diferença comportamental significativa, quando comparados os madeirenses com a demais população nacional.
Para a verificação, vamo-nos socorrer de notícias publicadas na imprensa regional, com destaque para o DIÁRIO, desde 2014 até ao presente (10 anos completos), e de dados oficias dos últimos anos, divulgados pela PSP.
O levantamento realizado permitiu-nos identificar, pelo menos, 57 casos em que os condutores de automóveis fugiram do local do acidente, envolvendo ou não feridos ou até atropelados.
No entanto, apesar de poder parecer um número de relevo, a realidade é muito mais vasta, como se verá de seguida, ficando a certeza de que o reflexo de tal realidade na comunicação social fica muito aquém do que é o verdadeiro fenómeno.
No mês passado, a PSP revelou os números dos acidentes na Madeira, registados no ano anterior (2024), assim como a estatística da sua actuação. Foram contabilizados 3.845 acidentes resultando destes 12 mortos, 73 feridos graves e 1.158 feridos leves.
Ora, é sabido, porque já divulgado pela PSP a nível nacional que, nos últimos anos, 20% dos condutores envolvidos em acidentes fugiram do local.
No dia 22 de Setembro de 2024, a agência Lusa divulgou os dados da PSP, que evidenciaram ter existido 151.647 acidentes, entre 2022 e 31 de Agosto de 2024. Desses, 31.166 envolveram a fuga dos condutores (20,6%).
"Dos acidentes registados este ano (2024), 8.427 envolveram a fuga do condutor. Isto significa que cerca de 22% dos condutores intervenientes em acidentes com feridos ou vítimas mortais fogem do local, não solicitando auxílio para as vítimas e eximindo-se à identificação por parte das autoridades policiais", dizia a PSP, relativamente a 2024.
Uns dias depois, o JM revelava que a mesma realidade na Madeira se traduzia em 2.714 acidentes (até 19 de Setembro) e, desses, 451 tinham envolvido fuga de condutores. Isso significa 16,6%.
Em 2023 houve 3.643 acidentes e 657 fugas, correspondentes a 15,5% de fugas.
No ano anterior, 2022, foram registados 3.127 acidentes com 572 fugas dos condutores, representando estas 18,3% do total.
Em Portugal, a fuga do local de um acidente constitui uma infração grave, sujeita a sanções penais e administrativas, o que reforça a importância de cumprir os deveres legais e éticos em situações de sinistros rodoviários. A situação é agravada se houver feridos, pois o condutor pode ser acusado de omissão de auxílio, mesmo que não seja o responsável pelo acidente.
O artigo 200.º do Código Penal penaliza a fuga do local do acidente. Este artigo estipula que quem, em caso de acidente (não só rodoviário), não prestar a assistência necessária a outra pessoa em perigo de vida ou de grave dano corporal, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. Se a pessoa tiver causado a situação de perigo, a pena é agravada para prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.
Como se constata, os condutores madeirenses não abandonam os locais dos acidentes mais do que os restantes portugueses, pelo contrário. As estatísticas mostram que até o fazem menos. Por outro lado, tanto na Madeira como no País, o abandono dos locais onde ocorrem os acidentes não são uma moda do momento, nem estão a crescer de dimensão. A proporcionalidade mantém-se, ainda que com algumas variações, em 20% dos acidentes no País e em 17% na Madeira.
Considerámos a proporcionalidade, por ser o indicador que mais pode revelar uma atitude. O número (em vez da proporcionalidade) não o faz de forma tão correcta, pois não considera o aumento ou a diminuição do tráfego.
Assim, avaliamos como falsas as afirmações e sugestões deixadas pelos leitores, no sentido de que a realidade madeirense tende a piorar e é mais grave do que a nacional.