“Madeira, o que ficará?”
Do magma vigoroso que explodiu dos vulcões a meio do Atlântico, da lava flamejante que emanou das crateras, formou-se um arquipélago.
Do imenso arvoredo que (muito) foi desbastado, mas com funcho, bananais e canas-de-açúcar, ergueu-se uma povoação sem povo autóctone.
O Zarco e sua equipa desembarcam aqui em 1419; a segunda terra depois do Porto Santo (a primeira de todos os achamentos portugueses). Era o mais expectável, procurar outros lugares, outros recursos. Não podemos julgar a história aos olhos do Século XXI.
Construiu-se as levadas com muito suor, coragem e morte para distribuir a água numa orografia muito desafiante.
Em 1508, fizemos do Funchal a primeira cidade europeia atlântica!
Insurgimo-nos contra o regime duas vezes (em 1931, 1934) com a nossa intrínseca rebeldia.
A autonomia que finalmente conquistámos em 1976. Recordar que só em 1975 deixámos a designação de “ilhas adjacentes”...
Ser madeirense é isto, sentir a terra, gostar das nossas tradições. Sentir o sangue das nossas raízes. Saber que somos pequenos mas orgulhosos. Uma sensação complexa.
O nosso bolo de mel, a espetada, o bolo do caco (original do Porto Santo), etc…
As nossas palavras (“estepilha” é a melhor), a nossa pronúncia, o nosso “L” palatalizado, dizer “lhe” em vez de “L”.
Nem todos nós temos que enfiar o barrete de orelhas, mas nenhum madeirense fica sem um leve sorriso ao ouvir o Bailinho da Madeira.
Ter orgulho nos nossos bisavós, trisavós, tetravós, etc, que sobreviveram às agruras do passado. As famílias que perfaziam a nossa micro-sociedade.
Ficamos ofendidos quando alguém forasteiro ofende a nossa terra. O nosso “madeirensismo” (também existe “açorianismo”). Mas depois nos conformamos inexplicavelmente com certas “coisas”…
Não se indignar com lugares que são danificados, apagados, descaracterizados?
O nosso regionalismo é muito “sui generis”!...
Somos ilhéus, cercados pelo mar claustrofóbico, o que obrigou muitos dos nossos conterrâneos a migrar. E com eles a Madeira, pois em cada madeirense está a Madeira, os emigrantes nunca cortam essa ligação umbilical emotiva.
Só quem viveu fora da ilha, é que tem noção da exiguidade desta terra.
Fizemos grandes edifícios edificados, que são dignos de património edificado.
Como exemplo: os calhaus que compõem o nosso esbelto “tapete” diário.
Mas não chovem do céu, arquitectos como Chorão Ramalho ou Edmundo Tavares…
Mas como tudo, é preciso preservar a nossa inata beleza.
Quem esquece um nascer do sol no Pico Ruivo ou um pôr-do-sol na Ponta do Pargo?
O som das águas fluentes nas levadas musgosas. A humidade refrescante das Queimadas, os simpáticos e pequeninos tentilhões dos Balcões, os vertiginosos penhascos…
A Madeira até no seu nome carrega algo de biológico.
Os turistas recordam-se dos nossos locais pictóricos, das casas de Santana, das nossas estrelícias (as hortênsias já quase desapareceram), do nosso basalto, etc, etc…
Não dos nossos shoppings, apartamentos e demais abortos urbanos…
Temos que assegurar a nossa unicidade. As nossas características próprias e não nos tornarmos homogéneos como se vê pelo resto do mundo.
O que será que nós (!) deixaremos da Madeira original?
Os madeirenses preocupam-se?
Ou estão mais preocupados com questiúnculas partidárias ou conversinhas de café superficiais e estéreis com palavras levadas pelo vento?...
Rodrigo Costa