Um tubarão-branco, de nome cancro
Despediu-se de mim com um abraço leve e um beijinho repenicado e disse-me “sabes, não quero nada morrer”
Quando a idade vai avançando vamos vendo cada vez mais pessoas à nossa volta a ir embora. É uma sensação estranha essa de percorrer a lista telefónica e encontrar nomes de pessoas que já cá não estão, de quem gostávamos e ainda gostamos mas com quem já não podemos falar, o telefone que já não conta com os seus nomes um vazio que deixa registo nas mensagens e nas fotografias de momentos que ficam eternizados de forma especial. Quando somos mais novos a noção de finitude é quase inexistente, não nos passa sequer pela cabeça, não é algo em que pensemos nem sequer equacionamos. Depois aos poucos, vamo-nos deparando com o desaparecimento de um ou outro em circunstancias e especiais numa cadência que vai crescendo à medida que vamos percorrendo a nossa vida. E se há muitas formas trágicas e acontecimentos que levam a esse triste final, hoje há um em especial que nos coloca perante desafios particulares e nos leva a procurar entendimentos e razões para tudo o que nos acontece.
Há uns tempos uma amiga mandou-me uma mensagem comprida, a justificar a ausência de algumas respostas e terminou dizendo que tinha sido diagnosticada com cancro e não lhe davam mais do que seis meses de vida. Acompanhei de perto o seu sofrimento e testemunhei com os meus olhos as alterações físicas e psicológicas brutais no espaço de um mês. O cabelo que caiu, o peso que desceu de forma abrupta, olhar carregado de medos e de inseguranças. Na última vez que tive oportunidade de estar com ela, fui buscá-la aos tratamentos para a levar para casa. Já mal andava, perdeu a força nos braços e nas pernas e levou cerca de vinte minutos para subir um lance de escadas até ao primeiro andar onde vivia. Despediu-se de mim com um abraço leve e um beijinho repenicado e disse-me “sabes, não quero nada morrer”. Ainda hoje tenho essa memória cravada na minha cabeça, da força de alguém que lutou até ao limite das suas capacidades e que não me deixou levá-la ao colo até casa porque disse que ainda conseguia subir sozinha e que tinha esperança, mesmo depois das palavras dos médicos, que houvesse uma solução, uma qualquer resolução da natureza que fizesse aquela inevitabilidade regredir. Esperou sempre por um sinal de que ainda era possível, de que aquilo não podia acabar assim.
Esta maldita doença, que mais parece um tubarão branco a rondar à nossa volta à medida que os anos passam, está tão presente nas nossas vidas que quando ouvimos dizer que alguém faleceu instantaneamente perguntamos se foi de cancro. Felizmente também tenho presenciado casos felizes em que o combate foi aparentemente vencido por força de um diagnóstico precoce e uma boa reação do corpo à violência dos tratamentos e uma capacidade mental de reagir perante as adversidades. O impacto de ir com alguém a uma consulta e ouvir da boca do médico, “não tenho boas notícias, você tem um tumor maligno”, é de uma violência atroz. Não sei qual é a sensação de o saber na primeira pessoa mas imagino que tudo na vida mude e que não deva ser fácil pensar noutra coisa qualquer nos meses que se seguem.
Se quando estamos doentes de cama com uma gripe, em pouco mais conseguimos pensar, imagino o que seja passar os dias sabendo que carregamos esse diabo no corpo. É nessas alturas posta à prova a nossa capacidade de superação mas também a força que transmitem os amigos, os familiares e as pessoas mais próximas. Infelizmente é hoje em dia um dos principais dramas da nossa sociedade. É por isso tão importante fazer exames e análises recorrentes, aderir a rastreios e estarmos atentos a eventuais sinais de alterações do nosso corpo.