DNOTICIAS.PT
Artigos

Sobre a Santificada Estabilidade Política

A estabilidade política é geralmente considerada um valor importante, pois está associada à paz social, à previsibilidade para o desenvolvimento económico e à segurança pública e jurídica. Contudo, preservá-la a qualquer custo pode gerar dilemas éticos e práticos significativos. Por um lado, é crucial para evitar conflitos internos, garantir a proteção dos direitos fundamentais e criar um ambiente onde as instituições democráticas possam fortalecer-se. Por outro, pode significar a manutenção de regimes autoritários, a repressão de movimentos legítimos de oposição, o silenciar das vozes dissidentes, ou a manutenção e perpetuação dos vícios e costumes adquiridos pelos que já se instalaram.

Uma política de estabilidade deve ser equilibrada com outros valores fundamentais, como a liberdade, a justiça e a igualdade. O desafio reside em encontrar formas de manter a estabilidade, enquanto condição que permita a contestação legítima, o progresso social e a garantia de direitos. Assim, é fundamental a procura de um equilíbrio, onde a estabilidade política deve ser perseguida, mas não em detrimento de valores democráticos e da promoção do bem-estar da população, devendo a sua defesa ser instrumento de políticos eticamente irreprimíveis, pois só estes poderão ser o garante, a médio e longo prazo, de uma sociedade coesa, com um crescimento e evolução saudáveis e justos. Ao longo da história, o tema da estabilidade política foi abordado por diversos filósofos, oferecendo diferentes perspetivas sobre seu valor e suas implicações. Os seus contributos são notáveis e de grande importância para a construção da arquitetura política que hoje se conhece, começando por Platão (427 a.C.-347 a.C.), que em “A República”, discute a importância da justiça e da ordem na sociedade. Para este pensador, a estabilidade política é alcançada quando os governantes são sábios e justos, devendo a estabilidade ser uma consequência de um governo que busca o bem comum. Já Aristóteles (384 a.C.- 322 a.C.), na sua obra “Política”, argumenta que a estabilidade política é crucial para a felicidade e o bem-estar da cidade-estado (pólis). Acreditava que a melhor forma de governo é aquela que promove a participação dos cidadãos e a justiça, o que, por sua vez, contribui para a estabilidade. Thomas Hobbes (1588-1679), no “Leviatã”, enfatiza a necessidade de um governo forte e centralizado para garantir a estabilidade e a segurança. É sua convicção que no estado da natureza, os homens estão em constante conflito, e a estabilidade política só pode ser alcançada através da entrega de poder a um soberano. John Locke (1632-1704) também reconhece a importância da estabilidade, mas acredita que ela deve ser baseada no consentimento dos governados e na proteção dos direitos naturais. A estabilidade política é vista como um resultado de um governo que respeita a liberdade e a propriedade dos indivíduos. Para Karl Marx (1818-1883), a estabilidade política é analisada sob a ótica das relações de classe. Para ele, a estabilidade pode ser ilusória em sociedades capitalistas, pois ela tende a favorecer a classe dominante em detrimento da classe trabalhadora. A verdadeira estabilidade, segundo Marx, viria da superação das desigualdades de classe. Temos também Alexis de Tocqueville (1805-1859), que na “A Democracia na América”, discute a relação entre democracia e estabilidade. Tocqueville acredita que a democracia, quando bem administrada, pode levar a uma sociedade estável, mas também adverte sobre os perigos do individualismo excessivo e da tirania da maioria, que podem ameaçar essa estabilidade. Para John Rawls (1921-2002), a estabilidade política pode ser vista como um processo em que a construção de uma sociedade justa e equitativa, através de princípios compartilhados, é fundamental para evitar conflitos e promover a harmonia política. A estabilidade política não vem de uma aceitação cega do status quo, mas da adoção de um modelo de justiça que seja considerado legítimo e justo por todos os cidadãos, independentemente de suas visões particulares sobre o bem. Estes filósofos, entre outros, de uma maneira geral destacam que a estabilidade política é um valor importante, mas sua defesa e preservação deve estar ligada a princípios éticos, que se identifiquem claramente nos governantes, à justiça social e ao respeito pelos direitos individuais. O uso da argumentação e a busca pela estabilidade política, só se afigura séria quando defendida por políticos eticamente imaculados, caso contrário, é um jargão em si mesmo, incoerente e paradoxal, e poderá ser usado como falácia que se dirige às emoções, nomeadamente, aos medos e receios, que particularmente os mais desprotegidos e menos informados, sempre transportam consigo.