Relâmpagos
O relâmpago é uma espécie de monólogo, mas o voyeurismo quer ver Divina Comédia na jigajoga de luz e sombra. Na verdade, ele é um solilóquio. Um pensar alto comigo. Ver-me ao espelho, quando o espanto me acontece. Alerta-me, alvissareiro, para a poesia da vida. Gosto sobremaneira daquela música de Chico César que fala em estado de poesia...
São tempos do vale-tudo, mas vivenciá-los, por aziagos que sejam, em estado de poesia... é tudo de bom. Motivado pela renovação, reinvenção e recomeço, como as estações do ano e seus sucedâneos no remelexo das nossas almas. Assim, água, a terra, o fogo, ar, animais, plantas, gente, humanidade e natureza, transmutados, são aedos.
Só em tal estado vivenciamos, por exemplo, a democracia nossa de cada dia nos-dai-hoje, para além de coisa quantificada e eu não dou fé em quem não celebra o Cinquentenário da Independência. Só em estado de poesia, o indivíduo, nele a sina do cidadão, com o seu existencialismo debaixo do braço, a poder entrar lúdico e lúcido pela porta grande da História.
Afinal, na Divina Comédia, especialmente no tocante ao Inferno, Dante se emociona da expiação daqueles que amaram com transgressão, pecado e luxúria, pombas perdidas pelo desejo. O impulso poético, no pulsar metafórico e filosófico, com engenho e arte, é tudo o que me emociona perante a releitura de Dante.
Os relâmpagos têm uma dimensão auroral, ainda mais se deflagrados na noite do Ano Novo. Mas, das tais coisas, o saturar da luminosidade, no contraponto da escuridão do mundo, que é um paradoxo sem medida, peço a vossa tolerância (e já nem digo fineza) para lerem os flashes e outros desvãos que se soletram, vastas vezes sem metáfora, nestes textos.
Andarilho, dou voltas ao destino e faço contas à vida...e o mundo como pequeno paradoxo, dizem-me que é azul. Agora que vem a noite com assaz escureza grande, tenho os braços abertos para acolher o Ano Novo!