As doze passas
A cada arranque de Novo Ano há uma expectativa globalizada de que as coisas podem ser diferentes. As pessoas não são outras, os problemas também não, mas a cada 31 de dezembro procura-se olhar de uma perspetiva renovada para os mesmos problemas. Uns esperam olhar mais pela saúde, outros pelas opções financeiras e ainda sobram aqueles que procuram realizar todos os projetos pessoais até então adiados.
Mostra-se curioso como a noite de São Silvestre provoca, regra geral, a positividade, esperança e mobilização mesmo dos mais descrentes. Afigura-se impressionante a força que um conjunto de frutos secos – vulgo, passas – adquire na mente de cada um, simbolizando a ingestão de cada uma delas uma intenção que se espera ver concretizada nesse ano. Certamente nunca se estudou o efeito das passas na capacidade de sacrifício, decisão, esforço ou devoção da mente humana, mas não tenhamos dúvidas, a determinação da sua deglutição – seja qual for o estímulo – surge também renovada a cada meia-noite do dia 1 de janeiro do ano que se inicia. Muitos inauguram o ano com este ritual por acreditarem que a sua vida mudará pela ingestão de um punhado de frutos secos ao frio. A mente humana é fantástica.
Na Madeira, o Natal é vivido com um calor e proximidade únicos. Seja pelas missas do parto ou pela singularidade do feriado regional da primeira oitava, Natal e Madeira são sinónimos de família, esperança e de um novo horizonte que se quer renovar em cada ano. Não se ignore, contudo, a ironia de dedicarmos os últimos dias do ano aos nossos, aos convívios familiares, aos amigos, às longas conversas sobre as metas que gostaríamos de ter alcançado e aos sonhos que comandam o horizonte que já se desenha, mesmo que esses encontros só ocorram uma vez por ano. Quem, como nós, nasce no início do ano não dissocia o novo ano de uma nova jornada, pois novos ciclos se abrem e, consequentemente, outros tantos se fecham. O importante, porém, é que se fechem ou abram com o sentido de dever cumprido.
Apesar deste recarregar de baterias em família, do “elixir” de ambição que se renova nas duas últimas semanas de dezembro, constata-se que o mesmo dura até ao varrer dos armários ou, no limite, até ao Carnaval (quando celebrado em fevereiro). O que se torna inegavelmente risível. Como sabemos, muitas vezes após a folia o entusiasmo passa, a cruel realidade agiganta-se e, talvez, o efeito psicológico das passas já tenha sido digerido pela mente, na constante azáfama do quotidiano que nos põe à prova.
O nosso maior desejo para 2025 não poderia ser mais singelo: que tenhamos a coragem de comer mais vezes doze passas. Se necessário, numa meia-noite de uma qualquer terça-feira, para encontrar soluções, esperança, proximidade, afago, família e capacidade de lutar pelos sonhos, que se comam mais passas. Se esse for o caminho para uma sociedade mais positiva e construtiva, que se comam mais passas. Se isso for a solução para os nossos problemas, que tenhamos a coragem de comer mais passas, não só a 31 de dezembro, mas todos os dias da nossa vida.