Os Falcon da Força Aérea são usados “só para as elites” como “há uns a dizer”?
A Força Aérea Portuguesa garantiu, no último domingo, o transporte de um doente entre os Açores e Madeira, tendo, para o efeito, recorrido a um dos aviões Falcon de que dispõe. Tal facto foi noticiado, pelo DIÁRIO, como, por norma, acontece.
Também é frequente existirem comentários sobre a utilização de tais recursos, muitos no sentido de fazerem passar a ideia de que a Força Aérea Portuguesa escolhe o tipo de aeronave em função do estatuto social dos beneficiários, o que voltou a verificar-se. Alguém lembra que havia "uns a dizer" que só são usados "para as elites".
Será verdade que isso acontece, que os Falcon são usados para as elites e os demais meios para o povo em geral?
Para verificarmos a veracidade da afirmação socorremo-nos de informação oficial, do sítio da Internet da Força Aérea Portuguesa (FAP), de diplomas do Diário da República e de notícias publicadas, tanto no DIÁRIO, como noutros órgãos de comunicação.
No dia 7 de Setembro de 2024, a FAP fez uma publicação no Facebook em que falava da aeronave. “Sabia que o Falcon 50 é conhecido pela sua versatilidade e eficiência? Além de ser bem-sucedido nas missões de transporte de doentes é também fundamental em transporte de órgãos para transplante, sendo uma verdadeira ambulância nos céus!”
No ano anterior, em Junho de 2023, a propósito de uma utilização polémica de um Falcon da FAP por António Costa, então Primeiro-ministro, o Jornal de Notícias fez um trabalho, em que citava a FAP, e lembrava que são aeronaves com autonomia de 5.500 quilómetros, o que lhes permite efectuar sobrevoos em ambiente desfavorável, como oceanos ou desertos, sem serem reabastecidos.
Neste momento, a FAP tem três Falcon ao serviço, dois adquiridos em 1989 e 1991, para serem utilizados na presidência portuguesa da União Europeia, mantendo-se ao serviço posteriormente, e outro aumentado ao efectivo em 2023. Este último, um Falcon 900, que passou para o Estado, por ter sido usado no tráfico de droga para Portugal a partir do Brasil.
No Despacho do ministro das Finanças, à data Fernando Medida, datado de 23 de Fevereiro de 2023, é dito que, no âmbito da FAP, se previa “sua utilização para o cumprimento de missões de transporte aéreo geral e especial e evacuações aeromédicas”. Ora esta utilização é semelhante à dos outros dois que já faziam parte do efectivo da FAP.
De facto, tais aeronaves têm dois tipos de utilização: “Os Falcon 50 são utilizados para transportar, com dignidade e de forma mais rápida, as mais altas individualidades da nação, em representação do Estado Português, nomeadamente o Presidente da República, o Primeiro-ministro, o presidente da Assembleia da República, bem como os membros que compõem o Governo. São utilizados, também, em situações de emergência (evacuações sanitárias) e transporte de órgãos.”
A síntese deixa antever a principal razão da criação da ideia de que os Falcon são usados ao serviço das elites. De facto, no que respeita ao transporte aéreo geral, tais aeronaves são destinadas a altas figuras do Estado, quando em funções oficiais e, por isso, polémicas quando a sua utilização entre de facto ou aparentemente na esfera privada, mesmo que de uma dessas altas figuras do Estado.
No entanto, quando está em causa uma utilização em situações de emergência e transporte de órgãos, o recurso aos Falcon acontece pela sua versatilidade e pela rapidez com que opera. Se houver um órgão humano disponível para transplante, apesar de caro de operar, será o meio que maior sucesso potencial garante.
Outro caso em que se tem observado a mobilização de Falcon, no âmbito dos transportes de doentes, é de crianças/bebés e grávidas. Casos em que o factor tempo é, porventura, mais determinante do que nos demais casos.
Tanto no transporte de órgãos como no de doentes a necessitarem de cuidados emergentes e/ou a exigirem a prestação de cuidados especializados durante esse mesmo transporte, o que se observa é que a FAP tem recorrido aos Falcon.
Um pequeno levantamento feito pelo DIÁRIO, no sítio oficial da FAP na Internet, permitiu identificar, desde o início de 2024, pelo menos seis transportes com recurso aos Falcon, envolvendo a Madeira. Está em causa o transporte de doentes, pois, pelo que nos apercebemos, a FAP não divulga frequentemente o transporte de órgãos. Em todos estes casos, estiveram em causa pessoas do povo, com uma excepção.
Em Setembro de 2024, a AFP utilizou um Falcon para transportar o secretário regional da Saúde, Pedro Ramos, entre o Porto Santo e a Madeira, o que gerou muita polémica, exactamente pela ideia de que se fosse alguém do povo isso não aconteceria.
A FAP explicou que o C-295M (avião a hélice) baseado no Porto Santo estava avariado e que havia sido solicitado um transporte, pelo Serviço Regional de Protecção Civil, tendo sido decidido activar o Falcon. Apesar da polémica, neste caso, tratou-se de uma evacuação médica.
No entanto, as maiores polémicas respeitam a utilizações fora do âmbito previsto.
A maior delas, das mais recentes, aconteceu pelo facto de António Costa, a 31 de Maio 2023, ter feito uma escala em Budapeste, para assistir à final da Liga Europa, quando viajava para a Moldova, para participar na Cimeira da Comunidade Política Europeia.
O trabalho do JN identifica outras situações polémicas.
“Em 2016, o Presidente da República e alguns membros do Governo deslocaram-se de Falcon até Lyon para assistir à meia-final do Europeu. A divulgação dessa viagem gerou polémica, nomeadamente sobre a utilização da aeronave da Força Aérea Portuguesa para assistir a um jogo de futebol, embora fosse da seleção portuguesa. Em resposta, o chefe de Estado assumiu os custos da viagem.”
“Em 2004, Santana Lopes, então Primeiro-ministro, viajou no Falcon até aos Açores para as Jornadas parlamentares do PSD. Na altura, o seu gabinete esclareceu que a viagem foi paga pelo partido.”
“E, em 2005, também durante a governação de Santana Lopes, durante uma viagem oficial de Nuno Morais Sarmento, a São Tomé e Príncipe, o antigo ministro aproveitou a estadia para frequentar umas aulas de mergulho na ilha do Príncipe. O social-democrata Morais Sarmento pediu a demissão a Santana Lopes, que recusou e reiterou a sua confiança política.”
Como aqui se esclarece, é verdade que a utilização do Falcon em transporte geral é destinada às mais altas figuras do Estado, sendo, por isso, admitida a ideia de que são meios de uso das elites. No entanto, quando empenhados em transporte de órgãos humanos e/ou em situações de emergência (evacuações sanitárias), os Falcon são usados independentemente do estatuto do beneficiário.
Por todas as razões referidas, avaliamos como faltas as afirmações que apontam no sentido de a Força Aérea usar os Falcon para as elites e outros meios para o povo (em situações de emergência médicas).