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Análise

Assim não vamos lá

Ou mudamos de vida ou dificilmente sairemos vivos da aventura para a qual fomos empurrados por palpiteiros sem escrúpulos que nos prometeram o que não cumpriram e que confundiram sonhos legítimos com alucinações doentias. Muitos estão hoje confrontados com a incerteza prolongada e com a angústia de nada conseguir programar ou decidir só porque no sistema em vigor os eternos vencedores padecem de autismo agudo e os sempre derrotados acham que importa ir às urnas até à exaustão, até que um dia ganhem. É no que dá acreditar mais nas aparências do que na substância, mais nos slogans do que nos programas e mais nas caras do que nos corações.

Sejamos francos. Não vamos lá e a lado nenhum com revanchismos saloios, com sobrancerias sem nexo e acima de tudo desterrando o que nos coube em cada tempo, desde as oportunidades às facilidades, como se a Autonomia fosse um amor de Verão, a dignidade humana um bem negociável e o Turismo uma realidade inquestionável e garantida até afundarmos.

Não vamos lá e a lado nenhum com receitas plagiadas de vivências que não são compagináveis com as nossas ou com a incompreensível permissividade que tolera sem reparo a ofensa pública gratuita de outros portugueses como nós. Parecemos por vezes um bando de masoquistas, estranhamente vibrantes com a pancada que levamos por causa dos ventos no aeroporto, do nevoeiro na Choupana, dos cartazes políticos de mau gosto, colocados em Lisboa, dos exotismos patéticos que nos envergonham, das pérolas comprometedoras e dos hipotéticos malfeitores que alguns se apressaram em condenar, mas que continuam sem ser ouvidos e julgados.

Não vamos lá e a lado nenhum querendo “olhar para o futuro” como reféns dos erros sistemáticos do passado. Se é pelo futuro que vamos, precisamos de mais para fazer melhor, tanto no combate a todas as expressões de desigualdade, como na afirmação daquilo que julgamos ser essencial, cabendo exclusivamente à democracia resolver os problemas para os quais tarda em ter resposta. E depressa, antes que os extremismos tomem conta da agenda.

Não vamos lá sem noção do ridículo, sempre que há tendência para generalizar o que não passa de uma especificidade do território insular e sem pensar antes de agir, sem termos ferramentas que nos permitam inovar, competir e valorizar o que fazemos de melhor, para que assim a economia cresça, possa pagar melhor e aumentar os rendimentos de todos.

Não vamos lá sem bom senso, sem entendimentos sérios e consistentes entre protagonistas que queiram servir a causa pública e entre poderes de todas as latitudes, para que a reclamada “solidariedade institucional e até a cooperação estratégica” seja garantia de “estabilidade, previsibilidade e respeito”, como se ouviu do Presidente da República no primeiro dia do ano.

Não vamos lá querendo renovar a democracia sem antes mexer em tudo o que configure entrave à construção da tolerância, do diálogo e do respeito pela “vontade experiente e determinada do Povo Português” de cada lugar.