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Fact Check Madeira

Será que a Diocese está à espera do “dinheiro de todos nós” para recuperar um seu "edifício valioso"?

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O arquitecto Pedro Araújo publicou, ontem, no Facebook, um texto a lamentar o estado de degradação do Recolhimento do Bom Jesus, um imóvel da Diocese do Funchal, localizado na Rua do Bom Jesus e Rua da Conceição, “classificado como Património Cultural da Região Autónoma da Madeira, que condiciona a intervenção na envolvente”. O texto motivou alguns comentários, que referiam que a Igreja, no caso deste edifício, tal como no de outros de que é proprietária, está à espera que sejam os fundos públicos (“dinheiro de todos nós”) a suportar os encargos da sua recuperação. Será que isto é verdade?

O Recolhimento do Bom Jesus é um dos edifícios mais antigos da Madeira. Foi fundado nas décadas de 1650/1660, como “instituição direccionada para acolher mulheres em situação económica e social precária – órfãs, pobres, desamparadas, e vivendo parcialmente do seu trabalho artesanal”, conforme assinala um estudo do investigador Filipe dos Santos.

A 21 de Setembro de 1990, na sequência de um trabalho prévio da Direcção dos Assuntos Culturais (DRAC), o Governo Regional classificou o imóvel de valor cultural regional, constituído pelo recolhimento propriamente dito e pela igreja anexa, ficando com uma zona de protecção de 50 metros contados a partir dos limites exteriores do respectivo edifício.

A estrutura do edifício manteve-se quase inalterada desde o início, pelo que há muito evidencie os sinais dos seus quase quatro séculos de existência e a necessidade de obras de intervenção, sempre adiadas devido à incapacidade da Diocese em financiar os trabalhos. A sua função também pouco mudou ao longo dos anos. No entanto, ainda durante o bispado de António Carrilho (2007-2019) começou a ser estudada a possibilidade de reconverter o edifício num centro de acolhimento nocturno para 70 pessoas sem-abrigo. Nessa fase, foi celebrado um protocolo com o Instituto de São João de Deus, que viabilizaria diversas valências complementares (enfermagem, psicologias, psiquiatria e serviço social).

A direcção do Recolhimento do Bom Jesus que tomou posse em 2018, tendo em conta o vasto espaço disponível no edifício, pensou em enriquecer o projecto com uma vertente patrimonial/museológica. Numa reportagem publicada pelo DIÁRIO a 1 de Novembro de 2020, o presidente da instituição tutelada pela Diocese, João Sales Correia, para o desenvolvimento desta nova visão seria indispensável a aplicação de fundos públicos: “este enquadramento implicaria uma intervenção mais complexa, com recursos a fundos comunitários de diferentes áreas (integração social, património, cultura, recuperação urbanística), pelo que a Direcção do Recolhimento do Bom Jesus tem estabelecido contactos com o Governo Regional, nomeadamente com a Secretaria Regional da Inclusão Social e Cidadania e com a Secretaria Regional do Turismo e Cultura, no sentido de dar a conhecer o potencial do projecto”.

Esta ideia foi contestada pelos comerciantes da zona, em particular por Manuel Alves Teixeira (responsável pelo centro comercial Europa), que, no final de Novembro de 2020, entregou na Presidência do Governo um abaixo-assinado com 300 subscritores, a pedir que o projecto do “dormitório” de sem-abrigo não fosse autorizado. Uma posição de força que acabou por produzir resultados.

A 17 de Abril de 2022, o novo bispo do Funchal, Nuno Brás, assumiu que a transformação do Recolhimento do Bom Jesus em centro de acolhimento nocturno de pessoas sem-abrigo tinha sido “posta de parte”. Apesar disso, o responsável máximo da Igreja Católica madeirense assinalou que a instituição não prescinde de alocar o edifício a fins sociais. Contudo, reconheceu que o imóvel “está muito degradado” e que a sua recuperação exigirá apoios públicos: “É um edifício valioso que precisa de ser estudado. O seu restauro vai ser muito complexo, vai exigir muitos fundos, penso que fundos europeus também... Portanto, estamos neste momento em ‘stand by’. Vamos estudar as possibilidades”.

Nessa mesma entrevista, Nuno Brás foi mais claro do que qualquer outro bispo do Funchal sobre a situação financeira da Diocese. Referiu que se tivesse de recuperar o antigo Seminário da Encarnação, esgotaria todos os recursos da Diocese. Pelo que se optou pela venda do edifício ao fundo ‘Sharing Education’, sendo que o “o valor da venda [seis milhões de euros] será totalmente utilizado para obras muito profundas no Seminário do Jasmineiro e na construção de uma casa sacerdotal, que ficará numa casa que está ao lado” do mesmo. Reconheceu ainda que estava a ponderar a venda de mais património, sobretudo aquele que está subutilizado e cuja manutenção representa maiores encargos.

Em jeito de resumo, sempre se concluirá que a Diocese assumiu por diversas vezes, nos últimos anos, que espera contar com apoios públicos para as obras de restauro do edifício do Recolhimento do Bom Jesus.

"Deve de andar a Diocese à espera (...) para o Governo Regional assumir a obra, alegando o valor cultural, patrimonial e histórico, substituindo-se assim e uma vez mais a quem de direito" - Comentário no Facebook, sobre o estado de degradação do Recolhimento do Bom Jesus