"Novos níveis de impunidade" em ataques de Israel à saúde de palestinianos
Os ataques ao direito à saúde dos palestinianos estão a atingir "novos níveis de impunidade", denunciaram ontem duas relatoras especiais da ONU, após o ataque israelita ao hospital Kamal Adwan, em Gaza, e a detenção do seu diretor.
"Mais de um ano após o início do genocídio, o ataque flagrante de Israel ao direito à saúde em Gaza e no resto dos Territórios Palestinianos ocupados está a atingir novos níveis de impunidade", afirmaram as especialistas em comunicado.
A representação israelita junto da ONU em Genebra, na Suíça, classificou o comunicado como estando "longe da verdade" e acrescentou que ele "ignora completamente factos fundamentais" e "a utilização pelo [movimento islamita palestiniano] Hamas de infraestruturas civis para fins militares".
A relatora sobre a situação nos Territórios Palestinianos Ocupados desde 1967, Francesca Albanese, que tem repetidamente acusado Israel de "genocídio", e a relatora sobre o direito à saúde física e mental, Tlaleng Mofokeng, apelaram para o "fim do flagrante desrespeito pelo direito à saúde na Faixa de Gaza, na sequência do ataque da semana passada ao hospital Kamal Adwan e da detenção e do encarceramento arbitrários do seu diretor, o doutor Hossam Abu Safiya".
"Estamos horrorizadas e preocupadas com as informações provenientes do norte da Faixa de Gaza e, em particular, com o ataque aos profissionais de saúde, incluindo o último dos 22 hospitais agora destruídos: o hospital Kamal Adwan", escreveram as duas especialistas, mandatadas pelo Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, mas que não falam em nome da ONU.
As relatoras declaram-se "gravemente preocupadas com o destino do doutor Hossam Abu Safiya", cujo filho afirmam que foi morto à sua frente, e apelam para a sua "libertação imediata", bem como para a de "todos os outros profissionais de saúde arbitrariamente detidos".
"Esta situação inscreve-se num padrão israelita que visa o contínuo bombardeamento e destruição e a total aniquilação da possibilidade de exercer o direito à saúde na Faixa de Gaza", sustentam.
Segundo o Exército israelita, Kamal Adwan, o último grande hospital ainda em funcionamento no norte do território palestiniano devastado por mais de um ano de guerra, servia de centro de comando aos combatentes islamitas do Hamas.
Mais de 1.057 profissionais de saúde foram mortos desde o início da guerra na Faixa de Gaza, desencadeada pelo ataque do Hamas a Israel a 07 de outubro de 2023, referem os jornalistas, citando dados do Ministério da Saúde do movimento islamita palestiniano.
Por seu lado, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, lamentou hoje na rede social X (antigo Twitter) o ritmo "dolorosamente lento" das transferências de pessoas hospitalizadas em Gaza.
"Só 5.383 doentes foram retirados com o apoio da OMS desde outubro de 2023, dos quais apenas 436 desde o encerramento do posto de passagem de Rafah", em maio de 2024, declarou.
A este ritmo, prosseguiu, "serão necessários cinco a dez anos" para retirar as "mais de 12.000 pessoas" que ainda precisam de o ser.
A Faixa de Gaza é cenário de conflito desde 07 de outubro de 2023, data em que Israel ali declarou uma guerra para "erradicar" o Hamas, horas depois de este ter realizado em território israelita um ataque de proporções sem precedentes, matando cerca de 1.200 pessoas, na maioria civis.
Desde 2007 no poder em Gaza e classificado como organização terrorista pelos Estados Unidos, a União Europeia e Israel, o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas) fez também nesse dia 251 reféns, 96 dos quais continuam em cativeiro, 36 deles entretanto declarados mortos pelo Exército israelita.
A guerra, que hoje entrou no 454.º dia e continua a ameaçar alastrar a toda a região do Médio Oriente, fez até agora na Faixa de Gaza pelo menos 45.581 mortos (cerca de 2% da população), entre os quais mais de 17.000 menores, e mais de 108.438 feridos, além de cerca de 11.000 desaparecidos, na maioria civis, presumivelmente soterrados nos escombros, e mais alguns milhares que morreram de doenças e infeções, de acordo com números atualizados das autoridades locais, que a ONU considera fidedignos.
Cerca de 90% dos 2,3 milhões de habitantes de Gaza viram-se obrigados a deslocar-se, muitos deles várias vezes, ao longo de mais de um ano de guerra, encontrando-se em acampamentos apinhados ao longo da costa, praticamente sem acesso a bens de primeira necessidade, como água potável e cuidados de saúde.
O sobrepovoado e pobre enclave palestiniano está mergulhado numa grave crise humanitária, com mais de 1,1 milhões de pessoas numa "situação de fome catastrófica" que está a fazer "o mais elevado número de vítimas alguma vez registado" pela ONU em estudos sobre segurança alimentar no mundo.
No final de 2024, uma comissão especial da ONU acusou Israel de genocídio na Faixa de Gaza e de estar a utilizar a fome como arma de guerra - acusação logo refutada pelo Governo israelita, mas sem apresentar argumentos.