Proibição da UNRWA em Gaza agrava tensões entre Israel, Palestina e árabes
A analista Ghoncheh Tazmini defendeu hoje que a proibição israelita das atividades da Agência da ONU para os Refugiados Palestinianos no Médio Oriente (UNRWA), a partir de quinta-feira, agravará as tensões entre Israel, Palestina e países árabes.
"A nível humanitário, a proibição irá perturbar o acesso crítico de dezenas de milhares de pessoas aos serviços de saúde e de apoio social, agravando a pobreza e a instabilidade nos campos de refugiados e nas zonas circundantes", afirmo Tazmini, investigadora e conferencista independente que reside atualmente entre Portugal, Reino Unido e Canadá.
"Estas medidas só irão agravar as tensões entre Israel, os palestinianos e os Estados da região, sendo provável que se verifiquem protestos e confrontos acrescidos, dada a forte dependência das comunidades palestinianas em relação à UNRWA", advertiu à agência Lusa a também escritora iraniano-luso-canadiana.
Para a licenciada em Relações Interacionais pela London School of Economics, de Londres, com um doutoramento sobre a mesma temática pela Universidade de Kent, a medida imposta por Israel tem implicações políticas "que refletem uma estratégia para enfraquecer as pretensões palestinianas a Jerusalém e para consolidar o controlo israelita nas zonas contestadas".
No entanto, argumentou, estas medidas, apesar do apoio da nova administração dos Estados Unidos, do novo Presidente Donald Trump, já foram criticadas por várias organizações internacionais, o que levará a um isolamento diplomático de Israel "ainda maior".
"A proibição das atividades da UNRWA é um objetivo próprio de Israel e as críticas dos organismos mundiais isolarão ainda mais Israel diplomaticamente. A medida assinala a rejeição mais ampla por parte de Israel da legitimidade da UNRWA e dos quadros institucionais que apoiam os direitos dos refugiados", frisou.
Terça-feira, o embaixador de Israel na ONU, Danny Danon, afirmou que a UNRWA tinha 48 horas para evacuar os seus centros em Jerusalém, em conformidade com uma lei israelita que proíbe a agência de prestar serviços no território do Estado hebreu.
Esta lei, aprovada no ano passado, proíbe a UNRWA de prestar serviços em território israelita, incluindo Jerusalém Leste, onde vivem mais de 300.000 palestinianos que não gozam dos mesmos direitos que os outros cidadãos israelitas (não podem votar, por exemplo, nas eleições nacionais).
Israel acusa a UNRWA de ter ligações com o Hamas, embora até à data só tenha apresentado provas 'ad hoc' contra alguns trabalhadores.
Questionada pela Lusa sobre como, num contexto de cessar-fogo entre Israel e o Hamas, se pode interpretar a ofensiva israelita na Cisjordânia, Tazmini explicou que esses ataques "brutais" visam "enfraquecer a resistência".
"A ofensiva brutal de Israel, no meio do cessar-fogo de Gaza, que inclui a demolição de campos e casas palestinianas, a destruição de ruas e infraestruturas e a intensificação da crise humanitária, como mortes, detenções e deslocamento das populações, visa enfraquecer a resistência em zonas como Jenin e Nablus. Isto é diretamente retirado do manual israelita de Gaza", sustentou.
"No entanto, os ataques também devem ser vistos no contexto da crise política interna em Israel. A ofensiva reflete a tentativa de [Benjamin] Netanyahu (primeiro-ministro) apaziguar os aliados de extrema-direita, incluindo o ministro das Finanças, [Bezalel] Smotrich, que se opôs ao cessar-fogo e ameaçou demitir-se - uma medida que poderia fazer cair o governo de Netanyahu. A mão pesada é uma tentativa desesperada de salvar a coligação governamental de Netanyahu", argumentou Tazmini.
Para a analista, "a máquina de guerra israelita continua a exacerbar a crise humanitária, intensificando a violência, aprofundando a instabilidade na região e minando ainda mais as esperanças de paz".
"As ofensivas intensificam a crise humanitária na região, uma vez que a escalada da violência corre o risco de desencadear uma agitação mais vasta, incluindo repercussões nos territórios vizinhos. Em julho, o TIJ [Tribunal Internacional de Justiça] considerou ilegal a ocupação israelita dos territórios palestinianos, apelando à retirada dos colonatos da Cisjordânia e de Jerusalém Leste", concluiu.
Ghoncheh Tazmini é autora do livro "Power Couple -- Russian-Iranian Alignment In The Middle East", publicado em 2024 no Reino Unido, bem como de "Khatami's Iran" (2007) e "Revolution and Reform in Russia and Iran" (2012), nenhum deles editados em Portugal.