O primeiro-ministro britânico furou a fila nos carros de cesto do Monte. Podia fazê-lo?
O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, esteve nos últimos dias de férias na Madeira e aproveitou para conhecer, juntamente com a sua família, algumas atracções turísticas. A 31 de Dezembro, esteve junto aos carrinhos de cesto do Monte. O governante britânico não andou neste peculiar meio de transporte, mas os seus dois filhos adolescentes (com 13 e 16 anos) quiseram passar pela experiência. Os agentes da polícia portuguesa que acompanham a visita e têm garantido a segurança de Keir Starmer colocaram os dois jovens logo no início do percurso, pelo que não tiveram de suportar a longa fila de espera. O pai seguiu na viatura automóvel e recolheu os filhos no final do percurso.
Esta atitude deixou descontentes e indignados alguns turistas britânicos presentes no local. A frustração foi partilhada em comentários nas redes sociais e em declarações aos tabloides britânicos, nas quais garantiram ter aguardado três horas na fila para andar nos carrinhos e contestaram o privilégio atribuído a Keir Starmer e à sua família, uma vez que se encontram em férias privadas. Será que o primeiro-ministro cometeu algum abuso ao ultrapassar a fila no acesso a um serviço turístico?
Os jornais que relataram o episódio referiram de forma unânime que foram os agentes de segurança quem orientou os filhos do primeiro-ministro para o local de partida dos carrinhos de cesto. É também isso que parece mostrar o vídeo que foi partilhado nas redes sociais e que faz prova desse momento. Os agentes que surgem na imagem não se encontram fardados, pois pertencem ao Corpo de Segurança Pessoal da PSP, a força integrada na Unidade Especial de Polícia (UEP) e especialmente preparada e vocacionada para a segurança pessoal de altas entidades, membros de órgãos de soberania, protecção policial de testemunhas ou outros cidadãos sujeitos a ameaça, como chefes de Estado, monarcas, líderes religiosos e chefes de governo estrangeiros que visitam o nosso país, seja em viagem oficial ou privada.
No desenvolvimento da sua actividade de protecção da(s) pessoa(s) a proteger, este grupo de polícias recorre a ‘medidas de segurança’. Gustavo Santos, elemento da UEP, no relatório da sua tese de mestrado sobre o tema ‘Segurança Pessoal’ na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, explica que medidas de segurança são os procedimentos policiais a adoptar na protecção e segurança de altas entidades e/ou cidadãos sobre os quais recaia um cenário de ameaça, e que se desdobram nos seguintes campos de acção: segurança de área, segurança às instalações, segurança nas deslocações e segurança pessoal. Esta última modalidade consiste fundamentalmente no emprego de pessoal especializado, podendo incluir ainda meios adequados e a nomeação de um responsável pela segurança pessoal.
O termo “medidas de segurança” também é genericamente utilizado para referir quaisquer medidas preventivas de segurança que possam ser implementadas. Neste particular inclui-se o emprego de técnicas ou tácticas e a utilização de certos dispositivos ou meios, quer sejam humanos ou materiais, e estes electrónicos ou não. O mesmo especialista apresenta as medidas de segurança em quatro grupos: técnicas, tácticas, meios e pessoal especializado.
As técnicas abrangem a realização de buscas prévias ou revistas preventivas, a selagem de portas, a interdição de sobrevoo de aeronaves, etc, para delimitar quem circula nos espaços reservados. Por exemplo, pode adoptar-se o uso de credenciais, com diversos níveis de acesso, ou pode ser feito uma verificação prévia das identidades e registos criminais dos visitantes. Os métodos empregues são ditados pela necessidade e disponibilidade.
No plano das tácticas, indica alguns exemplos, como mudanças de itinerários ou alteração de horários, simulações de saídas e chegadas, troca de viaturas. No fundo, tudo o que permita alterar a rotina e dificultar a localização do alvo aos potenciais atacantes.
Quanto aos meios, dá destaque aos meios electrónicos, como os sistemas de comunicação, de vigilância, de alarme, de georreferenciação, e mecanismos de detecção de movimento ou de detecção de metais. Também cabe aqui o barramento de chamadas para impedir escutas ou o accionamento de engenhos explosivos. Os meios materiais são também eles variados. Vão desde o armamento e equipamento específicos à utilização de viaturas blindadas. No controlo de acessos, por exemplo, a simples utilização de baias delimitadoras permite criar um espaço reservado com uma distância de segurança entre o local onde o protegido se vai deslocar e o público em geral. Na falta de meios próprios, pode até o mobiliário urbano servir para criar barreiras físicas.
Quanto aos meios humanos, a sua distribuição e posicionamento assumem aspecto fundamental, uma vez que as técnicas de segurança pessoal se baseiam em protocolos de actuação que cada um deve conhecer. Daí a importância da formação e treino especialmente vocacionados para a tarefa. Quando assuma carácter de operação policial, para além da alocação de pessoal especializado, há a considerar a cooperação com outras forças e serviços de segurança, e a colaboração de outras organizações (como os serviços de protecção civil e de emergência médica) e serviços públicos, dos serviços de segurança privada, e mesmo dos cidadãos.
A decisão dos elementos do Corpo de Segurança Pessoal de restringir ao mínimo tempo possível a presença do primeiro-ministro britânico na zona de partida dos carrinhos de cesto do Monte, local público e onde se encontravam centenas de pessoas, enquadra-se no conjunto de técnicas e tácticas previstas legalmente como medidas de polícia. Ao contrário do que se afirmou nalguns comentários nas redes sociais, um governante é um cidadão "diferente" dos outros devido ao alto cargo que ocupa e às responsabilidades acrescidas que assume. Os protocolos básicos de segurança aconselham a que adopte comportamentos e atitudes mais cautelosos, pois "poderá ser um alvo simplesmente pelo cargo que ocupa".
Ainda assim, há que sublinhar que a Constituição da República Portuguesa estipula que “as medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário”, uma vez que podem representar actos discriminatórios e colidir com os direitos dos cidadãos comuns, como aconteceu objectivamente no Monte.