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Enquanto Salazar dormia

O meu primeiro artigo de 2025 remete para o título de um livro de Domingos Amaral e simboliza, nas palavras de um espião, personagem do livro, o desconhecimento de António de Oliveira Salazar sobre o mundo noturno secreto que se desenrolava em Lisboa nos anos 40.

E por que me lembrei deste livro? Por várias razões, a principal porque o nome Salazar remete para ditadura, perseguições, denúncias e acusações. Um tempo que parecia passado, mas que, infelizmente, tornou-se tão atual. Outra razão é que, amanhã, é a reunião do Conselho de Estado, com a crise política da Madeira na agenda, e Marcelo Rebelo de Sousa, ao contrário do que é dito sobre Salazar no livro que mencionei, é conhecido por dormir pouco e por estar atento e ser conhecedor de todos os dossiers do país, mesmo do que se passa nos meandros de quaisquer lugares secretos e ocultos. Por isso, é com natural expetativa que aguardo a decisão previsível de dissolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira e convocação de eleições regionais antecipadas. A data de dissolução da Assembleia Regional será um claro sinal do entendimento do atual Presidente da República sobre o presente e futuro políticos da Madeira e Porto Santo.

Numa realidade em turbulência crescente, há que parar, pensar, unir esforços e arranjar soluções que protejam e apoiem os madeirenses e porto-santenses. Se não há “eleições internas ao abrigo da vontade do freguês”, como se fosse isso que estivesse em causa e não a vontade expressa por mais de 500 militantes, então que, de outra forma, mas com os mesmos ideais de Autonomia, Honestidade, Responsabilidade, Transparência e Respeito Democrático, surja uma luz ao fundo do túnel, que dê alento e esperança para que se alcance o bem comum.

Como disse Bismarck: “a política é a arte do possível”, e compete a quem quer mudança não olhar para essa definição como um mantra fatalista, mas uma forma de identificar claramente qual o possível e, a partir daí, criar soluções que permitam galvanizar um novo rumo para a nossa Região. Com políticas de continuidade nas áreas que estão demonstrando bons resultados, mas investindo com determinação em áreas que precisam de ser melhoradas, corrigidas e emendadas, como sejam a habitação e o apoio digno e mobilizador aos jovens e aos mais vulneráveis, para que se efetive a construção da sociedade mais justa e coesa que todos almejamos.

Uma coisa é certa, não podemos continuar nesta instabilidade e incerteza nem mais um dia, quanto mais ano e meio! É urgente recuperar a confiança e a estabilidade perdidas.

Para tal, seria bom que os sociais-democratas, principalmente os que se encontram atualmente no poder, refletissem sobre a seguinte frase de Sá Carneiro: “A participação política tem sido sempre encarada por mim como um dever de cidadania, uma forma de servir a comunidade, a que me entrego livremente, colocando sempre os princípios e as causas acima dos interesses e jogos pessoais, princípios de que não abdico”. Para devolver a esperança na política e nos políticos, é necessário colocar a ênfase na ética política e social. E não escamotear a realidade, a crise é política e todos os que estão na vida e na política de boa-fé respeitam o princípio de presunção de inocência. Mas isso não invalida que persista um problema político e que tenha renascido uma espécie de “PIDE” entre nós, Pessoas Interessadas em Denegrir sem Escrúpulos quem pensa diferente, mesmo que seja um militante do seu partido.

Se ninguém pode se excluir de fazer parte da solução, não basta criticar, é preciso agir e fazer diferente, dando espaço a ideias diversas, com coragem e desprendimento, mesmo que impliquem custos pessoais ou políticos. A Democracia, a Autonomia, e, sobretudo, o nosso povo são merecedores de que, depois de tanta tempestade política, surjam tempos de bonança e tranquilidade.

E já que falei sobre o livro do Domingos Amaral, também é relevante, até porque a discussão sobre o que pode ou não fazer um governo de gestão está na ordem do dia, trazer para estas linhas o entendimento do seu pai, Freitas do Amaral, sobre governos de gestão. Em declarações à RTP, em 2011, Freitas do Amaral afirmou que os governos de gestão, no seu entendimento, podem fazer “tudo o que for necessário”, ou seja, “não tem dúvidas que o executivo tem competência jurídica para tomar as decisões que possam beneficiar o país, mesmo estando em gestão”. Noutras suas declarações ao jornal Expresso, também em 2011, considerou que um governo de gestão “não é um palhaço nem um boneco, tem de assegurar a continuidade do estado até ao governo seguinte”.

O atrás exposto é só um pequeno exemplo da miríade de pareceres e jurisprudência que atestam que um governo de gestão, em regime de duodécimos, tem a possibilidade, acrescento eu, a obrigatoriedade, de assegurar projetos vitais e de interesse público para o desenvolvimento da nossa Região.

O futuro da Madeira está em causa e, por isso, não há tempo a perder com jogadas de encenação política, teatros repetitivos, discursos gastos, polémicas estéreis, discursos de medo ou ameaças. Exige-se seriedade e responsabilidade a todos os atores políticos, para que não haja a perpetuação desta crise política, com claros e nefastos reflexos económicos e sociais. De forma serena, ponderada e adulta, temos de conseguir sair desta encruzilhada, sem desmoronar os alicerces da nossa Autonomia. Tal desígnio só se consegue alcançar com líderes partidários que consigam estabelecer consensos políticos duradouros que ponham travão ao ciclo repetitivo da instabilidade política regional.

Para terminar, e como todo início de ano é tempo de resoluções, cito Aristóteles: “a política é a ciência da felicidade humana” para enunciar um dos meus desejos para 2025: alcançar a felicidade, não só em termos pessoais, mas contribuindo também para o bem-estar coletivo.