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Némesis, húbris e fidúcia!

Miss Marple, com inteligência e argúcia desfazia novelos intrincados e encontrava caminhos para que se fizesse luz e justiça

Miss Marple, personagem criada por Agatha Christie, era uma velhinha simpática que vivia numa pacata aldeia inglesa, St Mary Mead, que tinha uma acutilância especial quando se lhe deparava uma qualquer situação de difícil resolução, normalmente associada a um crime violento perpetrado por alguém que só nas últimas páginas do livro seria desvendado precisamente pela argúcia interpretativa dos sinais com que ia deparando a simpática velhinha. Num livro que reli recentemente, Miss Marple foi desafiada a resolver um mistério que atormentou um amigo que conhecera numa das suas viagens, Mr. Rafiel, entretanto falecido. Miss Marple aceitou o desafio e perante o problema tornou-se na Némesis do seu amigo.

Némesis era, na mitologia grega, uma das filhas da deusa Nix (a noite) e era a deusa que personificava a distribuição da justiça, o equilíbrio e a vingança divina. Némesis representa a força encarregada de abater toda a desmesura – húbris – como o excesso de felicidade de um mortal ou o orgulho dos reis, por exemplo.

A húbris é um conceito que vem da Grécia antiga que alude a uma confiança excessiva, um orgulho exagerado, presunção, arrogância ou insolência, que com frequência termina sendo punida.

A húbris pode ser traduzida como: tudo o que passa da medida; descomedimento, que na antiga Grécia aludia a um desprezo temerário pelo espaço pessoal alheio, unido à falta de controlo sobre os próprios impulsos. No direito grego antigo, a húbris relacionava-se com a violência ébria dos poderosos para com os débeis, e com frequência o homem que cometia húbris era culpado de desejar mais do que aquilo que lhe teria sido concedido pelo destino. O castigo dado pelos deuses era a Némesis, que tinha como efeito fazer com que o indivíduo regressasse aos limites que transgredira.

A húbris era o trágico erro das personagens dos dramas e tragédias da Grécia Antiga, quando os personagens sofriam desse mal: a tragédia ocorre quando o homem transgride a ordem social indo assim contra as regras dos deuses imortais, originando a Némesis, o ciúme divino e consequente castigo!

Nos nossos tempos a húbris passou a ser um conceito um pouco ultrapassado e a ideia de castigo divino aplicado por deuses imortais deixou de fazer sentido, mas existe um outro conceito mais moderno e menos susceptível de castigos aplicados por deuses criados pela fértil imaginação humana, que é a fidúcia que se pode interpretar como um modo de agir confiante, mas também como um gesto atrevido ou ousado, ou até como um comportamento arrogante ou presunçoso, típico de uma pessoa que tem uma opinião muito positiva sobre si mesmo.

A fidúcia tem também um significado jurídico (peço alguma indulgência aos juristas por me estar a meter em caminhos que não são os meus, mas também há muita gente inabilitada que opina na minha área..): imposto sobre a propriedade que deve ser transferida ao herdeiro, mas que pertence ao fiduciário até à sua morte.

O termo aplica-se também ao contrato de fidúcia que aquele em que uma das partes envolvidas (administrador) recebe da outra parte (concedente) bens móveis ou imóveis assumindo o cargo de administra-los em proveito de um terceiro (beneficiário) sendo a livre administração dos bens limitada às condições do contrato.

Por outras palavras, nós povo, somos solidariamente os legítimos proprietários da pertença da Nação, isto é, somos os concedentes dos bens móveis e imóveis que fazem parte de um acervo conquistado através dos séculos para um bem comum. Os governos, sejam eles locais, regionais ou nacionais, não são donos de nada, por muito que muitas vezes se intitulem como assim! Apenas administram o bem comum, é para isso que existem e é por isso que são eleitos!

Mas, nós povo, além de concedentes, somos também beneficiários do bem comum que, por contrato através do voto que dizem eleger os nossos representantes, concedemos aos políticos que formam os governos (mais uma vez locais, regionais ou nacionais) a função de administrar o bem comum que nós povo lhes entregamos enquanto concedentes e que, enquanto beneficiários, exigimos o retorno eficaz da administração dos bens concedidos!

Estamos portanto perante um contrato de fidúcia entre o povo e aqueles que através do voto se intitulam seus representantes.

Mas a fidúcia também pode ter um significado diferente consubstanciando um comportamento arrogante ou presunçoso, típico de uma pessoa que tem uma opinião muito positiva sobre si mesmo. Quando isto acontece (e acontece com mais frequência do que seria desejável ou admissível para um mero administrador de um bem comum), estamos perante uma húbris de difícil resolução.

Como já vimos acima, húbris era o trágico erro das personagens dos dramas e tragédias da Grécia Antiga, e suscepível de provocar a ira e o descontentamento dos deuses que povoavam o imaginário de antanho. Quando o homem transgredia a ordem social, indo contra as regras dos deuses imortais, originava o ciúme divino e consequente castigo – a Némesis!

A Miss Marple, com inteligência e argúcia desfazia novelos intrincados e encontrava caminhos para que se fizesse luz e justiça perante os crimes que tentava deslindar. Era uma Némesis para os que procuravam justiça.

Temos de ser, nós povo, inteligentes e argutos como Miss Marple, para através do voto, podermos ser Némesis para a húbris generalizada que se instalou na nossa sociedade actual. Assim queiram aqueles que pretendem fazer parte do contrato de fidúcia que é proposto por nós, Povo!

A todos os meus votos para que 2025 seja Próspero e Feliz e sem necessidade de Némesis para húbris desmedidas!

Bem hajam!