O Governo Regional pode lançar concursos públicos enquanto está em gestão?
As afirmações do Presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque, de que a obra de construção no novo Hospital Central e Universitário da Madeira vai parar têm sido alvo de grande especulação e até de contestação.
Em causa, explicou o governante na última semana, está o facto de ser necessário lançar um novo concurso público internacional para a derradeira fase da empreitada no valor de 200 milhões de euros numa altura em que o Governo Regional está a gerir a Região em regime de duodécimos.
"No actual quadro político, sem orçamento, nós não podemos lançar um concurso internacional, como é obvio, nem temos verbas inscritas no orçamento, nem isso seria aceite pelo Tribunal de Contas", justificou o chefe do Executivo madeirense, em declarações à comunicação social na quarta-feira.
Será que o actual Governo Regional não pode lançar concursos públicos?
Contexto:
A Região Autónoma da Madeira está, desde 17 de Dezembro, a ser governada por um governo de gestão na sequência da aprovação na Assembleia Legislativa da Madeira de uma Moção de Censura ao Governo Regional apresentada pelo Chega, com votos a favor de todos os partidos da oposição, - PS, JPP, Chega, IL e PAN, que juntos somam mais de metade dos deputados. O PSD e o CDS-PP, que têm um acordo parlamentar, insuficiente para assegurar a maioria absoluta, foram os únicos a votar contra.
A aprovação da Moção de Censura, inédita na Região Autónoma da Madeira, implicou, segundo estabelece o Estatuto Político-Administrativo, a demissão do Governo Regional, constituído a 6 de Junho, que permanecerá em funções até à posse de um novo Executivo. Nesse período, a Região será governada em regime de duodécimos, já que ainda antes da aprovação da Moção de Censura, o Orçamento para 2025 foi rejeitado com os votos contra de PS, JPP, Chega, IL e PAN, um chumbo que aconteceu pela primeira vez no Parlamento Regional.
Procedimentos permitidos a um governo em gestão:
O Governo Regional em gestão deve limitar-se a praticar os actos necessários para assegurar a continuidade dos serviços públicos essenciais e a gestão corrente da administração pública regional até que um novo governo seja constituído.
Estão excluídas as iniciativas políticas ou administrativas de grande impacto.
Antes da aprovação do seu Programa pela Assembleia Legislativa Regional, ou após a sua demissão, o Governo Regional limitar-se-á à prática dos actos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos da Região. Artigo 45.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira
Regime de duodécimos:
Como o Orçamento para 2025 foi rejeitado pela Assembleia Legislativa antes da aprovação da Moção de Censura, a Região está a ser governada pelo regime de duodécimos, o que significa que o governo só poderá utilizar mensalmente 1/12 do orçamento do ano anterior (2024) para cobrir despesas essenciais.
Durante o período em que se mantiver em vigor o Orçamento do ano anterior, a execução do orçamento das despesas deve obedecer ao princípio da utilização por duodécimos das verbas fixadas nos mapas das despesas. N.º 3 do Artigo 15.º da Lei de Enquadramento do Orçamento da Região Autónoma da Madeira
As despesas podem ser realizadas até ao limite de 1/12 por mês para cada rubrica orçamental. São permitidos gastos para o pagamento de despesas correntes, tais como salários e remunerações do sector público regional; para manter a prestação de serviços essenciais (saúde, educação, transportes, etc.); para garantir a continuidade de serviços essenciais; ou para a gestão de emergências.
Concursos públicos:
O governo em gestão fica impedido de realizar grandes investimentos ou mudanças estructurais.
São permitidos concursos públicos para manutenção de serviços essenciais, mas desde que sejam justificados como indispensáveis. Não é permitido lançar concursos públicos que impliquem novos encargos financeiros significativos ou compromissos que extrapolem o âmbito da gestão corrente.
No caso específico da última fase de construção do Novo Hospital, trata-se de um concurso público internacional superior a 200 milhões de euros, procedimento incompatível com a actual governação, tanto ao nível da gestão corrente, quanto ao nível do regime de duodécimos que se aplica na ausência de orçamento aprovado e que limita o governo a utilizar 1/12 do orçamento de 2024 por mês.
Fiscalização orçamental:
A fiscalização da execução orçamental na Região Autónoma da Madeira é feita, a nível administrativo, pela entidade responsável pela gestão e execução do Orçamento da Região, pelas entidades hierarquicamente superiores e de tutela, pelos órgãos gerais de inspecção e controlo administrativo e pelos serviços da Direcção Regional de Orçamento e Contabilidade. Já a fiscalização jurisdicional da execução orçamental compete ao Tribunal de Contas através da Secção Regional da Madeira.
Em suma, um governo em gestão deve limitar-se a praticar os actos necessários para assegurar a continuidade dos serviços públicos essenciais e a gestão corrente da administração pública regional. O Executivo pode lançar concursos públicos, contudo, existem algumas limitações. São permitidos procedimentos para a manutenção de serviços essenciais ou para dar resposta a situações urgentes. No entanto, concursos públicos que impliquem novos encargos financeiros significativos ou compromissos de longo prazo ficam impedidos.