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Análise

Voragem política e idosos abandonados

O Presidente da República decidiu não fazer a vontade à classe política regional e nada está garantido quanto à marcação das próximas eleições. Poderão calhar no final de Março ou caírem para Abril. Marcelo Rebelo de Sousa desacelerou o ritmo, mas continua a ser Marcelo. Por isso o melhor é não contar com ele para jeitinhos partidários convenientes. Ele sabe que a sua decisão pode dar gás à contestação interna no PSD e no PS. Aliás a sua introdução em forma de desabafo à audição dos partidos na passada terça-feira, em Belém foi, no mínimo, mirabolante. O Presidente que estava no “paraíso” (iniciativa cultural) e teve de seguir para uma espécie de ‘inferno’, revelou o seu estado de espírito perante a crise política madeirense. Um enfado! Veremos o que acontece na sexta-feira, dia em que reúne o Conselho de Estado.

2. Paulo Cafôfo decidiu dar um passo em frente e numa jogada calculada mas politicamente corajosa decidiu convocar eleições internas no partido para o fim deste mês. Foi a resposta menos esperada, mas a mais desafiadora, ao repto lançado, no DIÁRIO, pelo seu arqui-rival Carlos Pereira, que não lhe perdoa a desfaçatez de o ter excluído da lista de deputados à Assembleia da República. Experimentado, o parlamentar eleito por Lisboa não mordeu o isco e acusou Cafôfo de “jogo sujo” e de condicionar o resultado do escrutínio com um prazo demasiado curto, insuficiente para se organizar. Pereira foi apanhado desprevenido pelo avanço de Cafôfo mas demonstra, com a sua reacção, que não tem ‘tropas’ para disputar a liderança. Quem se adianta tem de ter uma equipa pronta. Não tem!

O actual líder socialista vai ser reeleito e sairá com legitimação reforçada, mas ficará refém do resultado que alcançar nas regionais antecipadas. Se não aumentar o score obtido em Maio passado a contestação interna voltará e o PS não terá paz.

3. Sejamos claros: os problemas do Serviço de Saúde da Região são as altas problemáticas que entopem o Serviço de Urgência e fazem adiar cirurgias programadas, a ruptura sistemática de medicamentos, muitos por falta de pagamento aos fornecedores e a iliteracia em saúde da população, que se desloca ao hospital por situações injustificadas, nada urgentes. Alguém que tem uma dor nas costas há seis meses ou está com a “cabeça estonteada” há dois não pode atrapalhar o normal funcionamento de um serviço que está concebido para tratar de casos agudos.

A literacia em saúde tem de ser, por isso, uma prioridade, como a prevenção rodoviária, ensinada desde o primeiro ano da escola.

Por mais cómodo que possa parecer os utentes não podem pensar que um serviço de urgência serve para tirar dúvidas, fazer exames complementares de diagnóstico e passar receitas a qualquer hora do dia ou da noite.

Outra grande dor de cabeça são as altas clínicas não resolvidas, com cada vez mais idosos a ocuparem os corredores do hospital, encostados a uma parede fria e em estado de semi-abandono, muitos cognitivamente afectados. O cenário repete-se e é familiar a todos os que se deslocam ao hospital.

A resposta social falha há muitos anos. A justificação da falta de camas nos lares começa a não convencer. Tem de ser encontrado um caminho que garanta dignidade aos que precisam de cuidados permanentes e aos seus familiares. O apoio aos idosos fragilizados e carenciados de cuidados multidisciplinares tem de assentar numa rede pública eficaz, tal como acontece com as creches e com o ensino pré-escolar. Basta observarmos as estatísticas para concluirmos que este é um problema sem fim à vista. Não vale a pena ignorá-lo, nem pedir milagres às famílias, que não podem ou não têm condições, na grande maioria dos casos, para cuidar 24h por dia, 356 dias por ano de um idoso dependente, mesmo que haja ajuda domiciliária. A forma como a sociedade está alicerçada não permite que um trabalhador abdique da sua carreira para cuidar dos pais ou dos avós. É esta a realidade que tem de ser compreendida. Se não houver vontade política a questão das altas problemáticas vai intensificar-se, em prejuízo de todo o sistema de saúde.

Já sobre a falta de medicamentos, que o Governo Regional tem muita dificuldade em admitir publicamente, pergunte-se aos médicos que todos os dias dão o seu melhor na principal porta de entrada do hospital, se dispõem sempre dos fármacos mais adequados para aquela patologia. Tanto o governo como o secretário da Saúde sabem que não e que muitas vezes são muitos os que tão em falta. Perguntem igualmente aos utentes que fazem medicação específica dispensada exclusivamente pela farmácia hospitalar quantas vezes voltaram para trás sem o tratamento prescrito. Há já casos de espera superior a um mês. Usar o governo de gestão como desculpa é desonesto, porque os problemas reais e concretos são tão antigos como as justificações exacerbadas da tutela quando confrontada com a realidade dos factos.