A grandeza dos humildes
De que serve haver mais dinheiro no bolso se aos cidadãos faltar altruísmo?
Vivemos num tempo estranho, no qual o voyeurismo impera, o vedetismo cega e o ruído das manchetes tende a atropelar o essencial e a ofuscar o que realmente importa. Não admira que os gestos simples e genuínos, aqueles que fazem a diferença nas vidas das pessoas, tenham tão pouca mediatização. E que, quando a têm, por razões de elementar justiça e de pedagogia colectiva, não sejam poucos os que manifestem amuo por ver o espaço ocupado, como se alguma vez pudesse ser considerado como adquirido aquilo que devia estar sempre disponível para dar ao mérito e à excelência, à solidariedade e à paz a globalização necessária.
Não são poucos os que habitualmente longe dos holofotes, sem direito a entrevistas rápidas, a fotografias sociais ou a primeira página se dedicam a fazer o bem. E bem feito. Sem esperar reconhecimento, aplausos ou títulos. Sem nunca terem ouvido um sonoro obrigado. Sem perderem o foco.
Esta semana, porventura mais dada a reflexões, demos conta que há gente tão próxima de nós que merece ser amada em vez de insultada, mimada em vez de ignorada, valorizada em vez de oprimida e que por via do seu sublime esplendor e generosidade extrema devia ser notícia todos os dias. Para que o nosso mundo corrompido pelo ódio mesquinho e pela vingança atroz consiga redimir-se e mudar. Para que a irrelevância de peito inchado não seja predominante. Para que os fazedores da mentira de perna curta sintam vergonha, ao menos uma vez.
As pessoas que, com humildade, estendem a mão, oferecem tempo, carinho e oportunidades sem cobrar nada em troca, merecem-nos todo o respeito. Sabemos que não ambicionam fama, nem querem ser vistos, não sonham com medalhas, nem querem ver os seus nomes submetidos a julgamentos populares. Basta-lhes a vontade de transformar o que os rodeia e que nem sempre é óbvio.
Estes heróis anónimos merecem-nos também um sentido pedido de desculpas. É que enquanto permanecem nos bastidores, mudando vidas em silêncio e em sofrimento e promovendo a inclusão, muitas vezes só olhamos embevecidos para as grandes conquistas, para as figuras com notoriedade acrescida e para os cromos de sempre.
Aos que sendo humildes revelam grandeza de espírito e generosidade contagiante, manifestamos hoje a gratidão, manifestamente adiada por distracção ou por falta de educação. É verdade que muitos dos que acolhem gestos desinteressados nem sempre reconhecem a tempo e horas o altruísmo daqueles que mantêm a esperança viva, nem a bondade dos que enfrentam críticas severas e sentenças precipitadas com elevado sentido de partilha.
Numa sociedade onde o cinismo e a desconfiança imperam importa motivar quem está genuinamente comprometido em melhorar a vida dos outros em ser autêntico. Com dignidade. Por muito que os interesses pessoais, as vaidades e os caprichos concorram deslealmente com esta dimensão altruísta. Por muito que custe aos indiferentes que escolhem viver à margem para assim se fazerem notar. Por muito que o dinheiro quase tudo compre.