Michel Houellebecq e o “último homem” do Ocidente
Que os socos no estômago existenciais de Houellebecq sirvam de parábola para os “últimos homens” do ocidente
Michel Houellebecq é um dos mais controversos e influentes escritores da atualidade, aclamado e criticado pela sua representação sombria da sociedade ocidental moderna. É um tanatologista dos nossos tempos, explorando nas suas obras temas como a solidão e o isolamento, o niilismo e a desorientação moral, a busca de sentido e a apática desilusão, retratos literários do “último homem” que Nietzsche e Fukuyama descreveram nas suas obras.
Em Partículas Elementares, apresenta as histórias paralelas de meios-irmãos que lutam contra o vazio existencial nas suas vidas. Michel, um biólogo molecular, é um solitário, totalmente dedicado ao seu trabalho, sem ligações emocionais significativas. Bruno é um homem obcecado pelo sexo, mas incapaz de estabelecer qualquer relação afetiva duradoura, incessantemente afastando-se do preenchimento interior e sentido que procura. Ambos são espelhos da solidão que trespassa a sociedade contemporânea, onde o individualismo excessivo e a fragilidade das referências e laços societais deixam muitos à deriva, sem apoio emocional ou espiritual. Em Extensão do Domínio da Luta, a solidão do protagonista reflete um sentimento crescente de alienação individual que deriva da lógica mercantil e utilitarista das várias esferas da vida, dos objetos à imagem e intimidade, sexo e afetos, condenando alguns à frustração e ao isolamento, à medida que os vínculos humanos são cada vez mais superficiais e mediados por tecnologias.
Em O Mapa e o Território, Jed Martin carrega a fria realidade de que o sucesso material, o consumismo e o reconhecimento social não conseguem preencher a carência espiritual contemporânea e, em Serotonina, Florent Labrouste é um engenheiro agrónomo que, ao sentir a futilidade de sua vida e a superficialidade das suas relações, começa a tomar antidepressivos para tentar lidar com seu desespero e a preencher o vazio e a angústia profunda.
No cada vez menos distópico Submissão, François, professor universitário, vive numa França onde, no meio de um pântano político e tumultos sociais, um partido islâmico vence as presidenciais, apoiado pelo Partido Socialista, numa frente islamoesquerdista que quer evitar a chegada ao poder de Le Pen. Sem fé ou propósito, François observa com apatia o colapso dos valores laicos e liberais que antes sustentavam a sociedade francesa, vácuo exacerbado pela falta de qualquer crença ou estrutura moral que possa dar sentido à sua vida, refletindo uma generalizada crise social de identidade. No final, a governação da Fraternidade Muçulmana acaba por proporcionar uma sensação de estrutura de vida mais definida, um propósito espiritual claro e um alívio da angústia existencial através da submissão a uma ordem superior de valores morais absolutos que, por mais opressiva que possa parecer, acaba por oferecer uma solução para a inquietude, volatilidade e desorientação que muitos experimentam no mundo secular e pós-moderno.
Que os socos no estômago existenciais de Houellebecq sirvam de parábola para os “últimos homens” do Ocidente que, sendo ainda o que de melhor há a oferecer, por vezes parece ter-se desnorteado de si, “preenchendo-se” no conforto de um liberalismo exacerbadamente individualista e consumista, na antropologia do desenraizamento e desidentificação doentia, através do sentimento de culpa e expiação pelo passado, e da perda/perversão da história, valores e referências de matrizes civilizacionais profundas que deram origem, espelham e são a pedra de roseta para bem compreender, integrar e viver valores seculares com que nos ambicionamos identificar e orgulhar.