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Crónicas

O bom, o mau e o submarino

O bom: Estudante Insular

É um ritual antigo. Primeiro, vivido por poucos, depois, por mais uns quantos e, hoje em dia, por milhares. A emancipação de gerações de madeirenses fez-se, a um oceano de distância, com a entrada no ensino superior e a passagem administrativa à vida adulta.

Obrigados, mas orgulhosos, a fazerem-se homens e mulheres em Lisboa, no Porto e em Coimbra, não há madeirense que não reconheça a dimensão da epopeia que é estudar longe de casa. Os filhos - lançados sem amparo para uma vida nova - e os pais - cujas casas se enchem de silêncio de um dia para outro. Uns e outros forçados a gerir um orçamento mensal que quase se esgota na procura de casa e que, tantas vezes, não estica para além de uma viagem à Madeira por altura do Natal. Não haverá melhor exemplo do drama que é a descontinuidade territorial e da vergonha que é, para o Estado, colocar os madeirenses a pagar pela sua insularidade. Desde 2018, a Região investiu (e o Estado poupou) mais de 26 milhões de euros, para que os universitários madeirenses paguem 65 euros por viagem aérea para Portugal Continental. O programa Estudante Insular é, por isso, uma faca de dois gumes. Por um lado, o exemplo de uma medida governativa com impacto decisivo e direto na vida de milhares de estudantes, muitos dos quais, de outra forma, não poderiam dar continuidade à sua formação. Por outro, é a triste constatação que, numa matéria tão simples como o direito de qualquer cidadão português circular dentro do seu país, os ilhéus estão entregues a si próprios.

O mau: O gado e a serra

Há estórias que maçam pela previsibilidade e facilidade com que recrudescem. A fábula do gado e da serra é uma delas. Da mesma forma que a proximidade dos atos eleitorais suscita inusitados convívios entre pastores e políticos, o rescaldo de qualquer incêndio, para além da cinza, costuma trazer consigo os defensores das virtudes místicas de cabras e ovelhas na prevenção de incêndios. O regresso do pastoreio desordenado às serras da Madeira, para evitar ou minimizar os fogos florestais, é uma mentira histórica e científica. Basta relembrar, como tem feito Raimundo Quintal, que os maiores incêndios registados na Madeira aconteceram quando as nossas serras estavam pejadas de porcos, ovelhas e cabras. Não é preciso recuar muito no tempo, para recordar o estado lastimável, quase lunar, da serra sobranceira ao Funchal antes da criação do Parque Ecológico em 1994 e da histórica retirada do gado dessa zona. É, por outro lado, inegável que o aumento do coberto florestal indígena (que não eucaliptos e acácias) é resultado de políticas públicas assentes no conhecimento científico existente e nunca no milagre da multiplicação de cabras sapadoras, especializadas em gestão florestal e prevenção de incêndios. O problema não é o pastoreio ordenado e com regras, o qual, em boa verdade, é, hoje em dia, praticado na Madeira. O que não se pode é fazer de cabras e ovelhas, aquilo que elas não são. Sapadoras e engenheiras florestais.

O submarino: O ferry

Não é amarelo, mas, desde 2016, está submerso como um submarino. Já navegou pelos cartazes da maioria dos partidos políticos e é promessa eleitoral de qualquer candidato que se preze. De quando em vez emerge, qual fénix renascida das cinzas, normalmente pela mão de um empresário abnegado mas de mão estendida para o dinheiro dos contribuintes. O ferry, que faria a ligação marítima entre a Madeira e Portugal Continental, tornou-se no unicórnio da política madeirense. Esplendoroso, celestial, mas inacessível. Haverá, certamente, opiniões diferentes sobre a viabilidade de um navio de passageiros e mercadoria que ligue a Região ao Continente, muitas mais haverá sobre o porto de partida e chegada, as características da embarcação, o número de viagens a realizar ou sobre a companhia responsável pela operação. No entanto, há dois factos que não estão sujeitos a debate ou opinião. O primeiro é de que a ligação marítima está liberalizada, ou seja, qualquer operador, desde que licenciado para o efeito, pode operar um navio entre a Madeira e o Continente. O segundo facto é de que cabe ao Estado assegurar qualquer subvenção pública ao funcionamento da ligação marítima entre uma Região Autónoma e o Portugal Continental. Se a liberalização da linha não tem gerado mal-entendidos, já a responsabilidade financeira pela operação do ferry tem sido fértil em equívocos. Um dos protagonistas da ideia peregrina de que são os madeirenses os responsáveis pelos custos da sua insularidade tem sido Paulo Cafôfo. Aliás, em linha com a sua posição sobre a quem cabe pagar os meios aéreos de combate a incêndios na Madeira. A este vagar, mais depressa Mário Ferreira vai fazer férias ao espaço, do que o Estado paga o ferry.