Eu e “es outres todes”
Declaração de interesses: não sou homofóbique nem tenho problemas em aceitar homossexualidade, até porque no meu circulo próximo de amigues há de tudo e ainda bem. Considero-me uma pessoa esclarecida, mas ultimamente tenho feito um esforço para entender algumas posições de deputades na Assembleia da República. Há dias numa esplanada do Funchal fui trucidada por uma criatura. A mesa onde me sentei tinha migalhas e bocados de comida e disse cordialmente, a seguinte sentença (de morte).
“Menina, será que podia limpar a mesa”?
Tive de me desviar do carmo e da trindade que caíram no segundo a seguir quando ouvi “a menina está atrás do balcão. Não está a ver que não sou menina”?
Gelei. O ser vivo quase me come. Olhei atentamente. Não vislumbrei um único pelo de barba. Tinha brincos espalhados pelas orelhas até a moleirinha. A roupa larga fazia qualquer um pensar apenas em lesbianismo, confesso. E desatou aos gritos a dizer que “isto vai acabar, já não se devia usar menino ou menina, bla bla bla…”
Insisti que limpasse a mesa. Barafustou. Eu disse que não tinha culpa de ela/ele/a criatura estar no corpo errado, mas que a mesa continuava para limpar. Comecei a sentir a veia do meio da testa a latejar e pedi ao “anje” da guarda que me segurasse. Como continuava a falar “sozinhe” enquanto limpava as outras mesas e a minha continuava suja, tentei a minha sorte com um contundente “nunca vi ninguém ficar preso a meio. Ou vai daqui para lá, ou vem de lá para cá”.
Acordei a besta. Não sei se seria o besto ou beste. É tudo muito confuso. Não estou feita para isto. Mas se há coisa certa é que só se faz xixi de duas maneiras. Estes tempos são modernos demais para a minha idade. Nunca pensei que num país cheio de problemas, se parasse o parlamento para discutir sobre as pessoas que menstruam. Por outro lado, felizmente, faço parte de um povo superior, pois somos simplesmente madeirenses. Não somos madeirensos ou madeirensas. Na verdade, mais difícil é entender um país em que os que vivem na capital se chamam “os lisboetas”. Masculino e feminino. Não devia ser as lisboetas e os lisboetos? E que tal se discutissem isso em vez do resto? E já agora, instituíssem o voto aos 16 anos, porque se se tem capacidade para decidir que sexo queremos ter nessa idade, porque é que não se pode votar em políticos antes dos 18? É mais fácil decidir mudar de nome, seios, testículos e afins antes de decidir quem é que vai legislar que as pessoas menstruam, que os gatos podem ladrar e os cães deviam miar?
E depois admiram-se que as pessoas como eu, que já não menstruam, tenham a cabeça toda queimada e inventam este dialeto não-binarês. Se for preciso chamem uma cambada de cotas como eu para convocar uma manifestação de heterossexuais, porque estamos muito perto disso. Chamem-me antiquada, se quiserem. Mas pelo amor de Deus, levem as vossas frustrações para longe das pessoas que vos pagam os salários e limpem as meses, se for caso disso.