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Fact Check Madeira

Crescimento de agregados familiares não está a ser acompanhado pelo ritmo da construção de casas?

Foto Arquivo/Aspress
Foto Arquivo/Aspress

Muito se tem falado da falta de habitação para os madeirenses adquirirem uma casa ou arrendarem uma moradia a preços condizentes com os seus rendimentos. O problema é global, não só na Madeira, mas o facto de por cá os preços de compra ou arrendamento estarem continuamente a bater recordes, como foi notícia recente.

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Esta crescente e preocupante realidade tem levado, inclusive, ao aumento do número de famílias a procurar ajuda pública para conseguir arcar com os custos, tal como noticiámos na edição deste domingo.

Mais de seis mil têm apoio à habitação

Mais de 6 mil famílias com apoios habitacionais é a manchete do DIÁRIO neste domingo, 29 de Setembro de 2024. "Lista de espera por uma casa mantém-se nos 4.200, mas disparou a procura por ajuda ao pagamento da renda e do crédito à habitação. IHM vai avançar com programa de auxílio à construção destinado à classe média" é a novidade que pode ler nas páginas 6 e 7.

Neste que é um dos direitos fundamentais instituídos na Constituição da República Portuguesa e, também, na Lei de Bases da Habitação, criada em Setembro de 2019, importa olhar para o que diz a legislação e o que tem sido a evolução dos licenciamentos, da construção e da evolução dos agregados familiares.

Diz esta lei (n.º 83/2019, de 3 de Setembro) que “todos têm direito à habitação, para si e para a sua família, independentemente da ascendência ou origem étnica, sexo, língua, território de origem, nacionalidade, religião, crença, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, género, orientação sexual, idade, deficiência ou condição de saúde”.

Como referido, a Constituição garante, como princípio fundamental, o direito à habitação, e o artigo 65.º estabelece esse direito em vários patamares, a saber:

  • 1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.
  • 2. Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado:
  • a) Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social;
  • b) Promover, em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais;
  • c) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada; d) Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respectivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução.
  • 3. O Estado adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria.
  • 4. O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, e procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística.
  • 5. É garantida a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território.

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Perante estes pressupostos e porque durante alguns anos a construção de habitação, efectivamente, esteve ao nível, em quantidade, do aumento da população e da demanda por novas habitações, ainda que descurando-se a habitação já construída, a estatística não mente.

Na última década (2015-2024, ainda que este ano estejam contados somente 6 meses) foram concluídos apenas 2.411 edifícios destinados à habitação, o que comparado com as duas décadas anteriores, nomeadamente 2005-2014 e 1995-2004, que tinham tido 7.229 e 14.291, respectivamente, uma quebra assinalável.

Se entre as duas décadas anteriores a quebra já tinha sido assinalável, menos 49,4% de edifícios para habitação concluídos, na última década (faltando seis meses para fechar as contas) regista-se uma diminuição de 66,6%. Ou seja entre essas três décadas a habitação concluída diminuiu 83,1%.

E no que toca a nova construção em habitação familiar entre 1995-2004 para 2005-2014 há uma diminuição de 48,6%, quando comparando com a década seguinte ocorreu uma diminuição de 70,8%. Significa que no espaço temporal entre as três décadas a quebra de nova habitação concluída é de 85,0%.

Venda de casas familiares cresceu pela primeira vez após ano e meio de quebras

Entre Abril e Junho deste ano (2.º trimestre) foram transacionados 836 alojamentos na Região Autónoma da Madeira (RAM), "o que representa um aumento trimestral de 20,1% e homólogo de 5,2%", tornando este trimestre o primeiro crescimento, em termos homólogos, "depois de ano e meio de quebras sucessivas", informa hoje a Direcção Regional de Estatística da Madeira (DREM).

Pode-se sempre afirmar que não seria comportável continuar ao mesmo ritmo dos finais da década de 90 e inícios da década de 2000, é um facto, mas a diminuição é, efectivamente, um grande indicador do estado a que chegou a área da habitação na Madeira, sendo que apenas nos últimos anos se deu algum crescimento, nomeadamente na construção de novas casas.

Desde 2016, após atingir mínimo de 83 edifícios de habitação familiar num ano, a obra concluída tem crescido consecutivamente nos 7 anos seguintes e este ano deverá voltar a crescer, uma vez que até meados de 2024, já tinham sido concluídos 174 edifícios, quando em 2023 tinham sido 310.

E no que toca a licenciamentos, a coisa é muito similar, embora entre aprovar uma licença, obra no terreno e terminá-la, vai um longo processo, inclusive que pode ou não passar pela desistência da obra. Acontece. Mas em termos burocráticos, aparentemente não tem sido um problema por aí além da parte das autarquias em licenciar obras para habitação. É que além do investimento público, o investimento privado também foi afectado, sobretudo pelas duas crises mais recentes.

Só para se ter uma ideia, entre 1995 e 2004 foram licenciados 12.659 edifícios para habitação, dos quais 9.836 para habitação nova, diminuindo na década seguinte para 5.850 e 4.503, respectivamente, ou seja -53,8% e -54,2%. Já nesta última década, a diminuição face à anterior foi de -46,2% e -53,3%. Ou seja, denota-se que a quebra de licenciamentos é maior para a construção de novas habitações.

Vamos ao outro facto, a dos agregados familiares, que segundo os últimos Censos (2021) na Madeira eram de 94.950 e a tendência será crescente, mas não muito. Embora não haja dados para o comprovar, é certo que o aumento da população residente deixa antever, também o aumento dos agregados familiares residentes na Região Autónoma.

É que face aos dois anteriores inquéritos gerais, realizados em 2001 e 2011, a Madeira tinha 73.717 e 92.936 agregados familiares. Mas é de notar que se entre os Censos de 2001 para os de 2011 há um aumento de 26%, enquanto que nos de 2021 o aumentou já foi de quase 2,2%.

Conclui-se, pois, que há uma forte influência da quebra significativa da construção de nova habitação face à crescente dificuldade dos madeirenses em conseguirem ter uma habitação condizente com os seus rendimentos.

São vários os factores que contribuem para a falta de habitação a preços mais acessíveis para corresponder à procura e às necessidades de casa. Mas o grande factor é que na última década a construção caiu de forma acentuada face às duas décadas anteriores.