Economistas alertam para riscos de aproximação do salário mínimo ao salário médio
A aproximação do salário mínimo nacional ao salário médio tem riscos, podendo levar a um aumento dos trabalhadores a receber a retribuição mínima e "as progressões ficam muito mais limitadas", alertam economistas ouvidos pela Lusa.
O Governo entregou na quarta-feira aos parceiros sociais uma proposta para um novo acordo de rendimentos até ao final da legislatura, revendo em alta a trajetória do salário mínimo nacional.
De acordo com o documento, a que a Lusa teve acesso, o Governo propõe aumentar o salário mínimo para 870 euros brutos no próximo ano, um aumento de 6,1% face aos atuais 820 euros. Propõe ainda chegar aos 920 euros em 2026 (um aumento de 5,7%), aos 970 euros em 2027 (uma subida de 5,4%) e atingir 1.020 euros em 2028 (+5,2%).
Já no que toca ao referencial para o aumento global dos salários (discutidos em negociação coletiva), o executivo mantém os valores previstos no atual acordo de rendimentos (4,7% em 2025 e 4,6% em 2026). Já para 2027 e para 2028, uma vez que a ideia é que o novo acordo contemple toda a legislatura (o atual só vai até 2026), é de 4,5% em cada um desses anos. Com esta trajetória, o objetivo é que o salário médio alcance os 1.886,29 euros em 2028.
Na prática, isto significa que, em termos percentuais, o salário mínimo vai subir sempre acima do referencial do salário médio, o que contribuirá para achatar a curva entre os dois, alertam os economistas ouvidos pela Lusa.
"Se o [salário] mínimo sobe a uma taxa superior ao [salário] médio necessariamente vai-se estreitar a diferença do [salário] mínimo e do [salário] médio, afirma Pedro Braz Teixeira.
Ainda assim, o diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade sublinha que esse "diferencial" é inferior "ao que já foi no passado". "O ritmo de convergência entre o mínimo e o médio existe", mas é um valor que "vai diminuindo" e "em 2028 fica em 0,7%, já não é muito expressivo", nota. Em termos comparativos, em 2025 é de 1,4 pontos percentuais.
João Duque considera que "tudo depende de como a iniciativa privada acabar por agarrar este desafio", dado que vê a subida do salário mínimo como um "estímulo" para as empresas aumentarem "a produtividade, a inovação e a capacidade de valor acrescentado". Mas admite que essa poderá ser a consequência.
A posição é partilhada pelo economista João Cerejeira, que lembra, que, enquanto o salário mínimo é "definido por decreto", o valor que consta no acordo de rendimentos para o salário médio "é um valor indicativo para as empresas".
"No último ano, a remuneração média até cresceu mais do que aquilo que tinha sido acordado", acrescenta o professor da Universidade do Minho, notando, que "foi um ano bastante favorável, quer do ponto de vista do aumento dos salários, quer do ponto de vista do aumento do emprego".
Em 2023, a remuneração bruta total mensal média por trabalhador aumentou para 1.505 euros, uma subida de 6,6% face ao período homólogo (mais 93 euros).
Por outro lado, o economista Pedro Braz Teixeira alerta que estes aumentos "pressupõem um aumento da produtividade que a economia não tem tido nos últimos anos", pelo que antevê alguns riscos.
Esta tem sido, aliás, uma das críticas das confederações patronais, que avisam que os aumentos salariais têm que ser sustentados em indicadores económicos.
Também João Cerejeira "preferia" que a subida do salário mínimo estivesse em parte "condicionada ao crescimento do PIB".
Numa resposta indireta a estas críticas, no final da última de Concertação Social e depois de ter apresentado esta proposta, a ministra do Trabalho garantiu que a proposta de acordo é " também" virada "para o crescimento económico e para a competitividade".
Neste contexto, Pedro Braz Teixeira avisa que, com a aproximação entre o salário mínimo e o salário médio, "as progressões ficam muito mais limitadas", dado que a "hipótese de haver aumentos dos salários estreita".
Por outro lado, para que consigam fazer face ao valor do salário mínimo, as empresas "acabam por aumentar menos os outros trabalhadores" que estão "na proximidade com o salário mínimo porque não há aumentos de produtividade para pagar estes aumentos", acrescenta.
"Se as empresas gastam mais com os trabalhadores que recebem o salário mínimo têm que gastar menos com os outros que ganham pouco mais", sinaliza. Para o economista, é esse fator que explica que "uma subida tão grande do salário mínimo nos últimos anos" não se tenha traduzido num aumento do desemprego.
O impacto, "a ter existido", é "essencialmente nos preços", acrescenta João Cerejeira.
"Quando olhamos para os preços dos setores que têm maior percentagem de trabalhadores a receber o salário mínimo, os preços desses setores tendem a aumentar mais do que os preços para a média da economia". Ou seja,"uma parte muito significativa deste aumento do salário mínimo está a transferir-se para os consumidores", resume.
Por isso, o que pode "condicionar o sucesso" da revisão em alta do salário mínimo está na trajetória de crescimento da economia portuguesa. Se o país continuar a crescer acima da média europeia "não haverá consequências no emprego", antecipa. No entanto, o economista alerta para o abrandamento que se está a verificar em alguns países europeus, nomeadamente na Alemanha, "que acaba por ter reflexos em Portugal".
"Se as nossas empresas não forem capazes de direcionar as exportações para outros mercados fora da zona euro, com crescimento mais forte, aí sim ficamos mais dependentes da economia europeia e, portanto, o atingir desse objetivo sem haver uma deterioração no mercado de trabalho é mais difícil", precisa.
Já o professor catedrático e presidente do ISEG realça que a aproximação entre salário mínimo e salário médio "não teria grande mal", num contexto em que a inflação fosse nula, dado que se conseguiria "manter um poder aquisitivo". No entanto, "o grande problema é que, muitas vezes o que acontece é que "o número de trabalhadores abrangidos pelo salário mínimo nacional aumenta" e, por outro lado,"às vezes é corroído pela inflação".
"Os prejudicados acabam por ser aqueles que estão a ganhar ligeiramente mais do que o salário mínimo, que ficam a ganhar o salário mínimo e não são aumentados", refere João Duque, dando como exemplo os setores do turismo e a restauração.
Ainda assim, acredita, que "em alguns setores", como é o caso da saúde ou tecnologia, o salário médio pode subir, em função da "dificuldade" em reter "talento especializado".