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Diáspora

Este termo, tornado corrente sobretudo após as gigantescas trocas de populações após a II Guerra Mundial, volta à baila neste século XXI, tanto na velha Europa, como na Ásia, em África e até nas Américas. A palavra, de origem grega (também os gregos se dispersaram pelo Mediterrâneo), significa a deslocação, forçada ou não, das populações das suas zonas de origem para áreas de acolhimento distintas.

Ou seja, há uma partida e um acolhimento; tanto um como o outro têm grande importância.

A deslocação forçada pode ter origem numa redefinição de fronteiras e consequente transferência de populações, como entre a Índia a e o Paquistão (com um milhão de mortos pelo caminho), como resultado de uma guerra, ou da predação pura e dura, cujo extremo é a captura e comércio de escravos, que durou até ao século XX.

Atendendo à percentagem de população envolvida, a diáspora dos madeirenses é das mais impressionantes: o número de descendentes dos filhos da terra é várias vezes múltiplo do da população do arquipélago. Costuma dizer-se, em tom ligeiro, que se todos os madeirenses voltassem à Ilha, ela iria ao fundo com o peso...

Esse risco ocorreu com o regresso dos chamados retornados, e repete-se agora com os venezuelanos. Partidos há gerações para conseguir uma sobrevivência que os 741 Km2 da Ilha, entre canas, bananeiras, batatas, semilhas e vinha não podiam - e ainda hoje não podem – garantir, lá foram abanar, entre outras, a árvore dos bolívares.

Regressam agora em massa, em sentido inverso, vítimas de um regime que seria cómico se não fosse trágico. Falando mais castelhano que português, mas com aquele sentido de pertença que não lhes é negado.

Ou seja, com um acolhimento cuja importância se falou acima.

Os portugueses em geral, e os madeirenses em particular, têm aquela capacidade de integração que levou o sociólogo Gilberto Freyre a criar o conceito de luso tropicalismo: a capacidade de se adaptarem ao meio tropical. Penso que pecou por defeito: adaptam-se a qualquer meio.

Regressados, resta-lhes o fenómeno inverso: adaptar-se ao microcosmo insular. E fazem-no, porque o ADN está lá, e ao linguajar da Babel que são os restaurantes, levadas, veredas e praias da Madeira e Porto Santo junta-se agora a sonoridade do espanhol.

Tudo estaria bem, se não fossem as ameaças vindas de Além Atlântico.

Os Estados Unidos são uma referência para todos os países democráticos. A Declaração de Independência, e depois a Declaração dos Direitos, inspiraram a Revolução Francesa, e esta muitos dos nossos regimes políticos.

E, não esqueçamos, os EUA foram criados por várias diásporas; os habitantes originais entraram no processo da pior maneira, e hoje estão ali como Pilatos no Credo.

Por isso o que se lá passa tem relevância para o resto do Mundo. Sobretudo agora, com uma eleição renhida em perspectiva.

Recentemente, Donald Trump declarou que o crime na Venezuela baixou porque estão exportando terroristas e violadores, e fiquei inquieto. Mais ainda quando disse que os haitianos (que pensávamos que fugiam de um regime de guerra de gangs) estavam a comer os cães e gatos dos pacíficos cidadãos da cidade de Springfield (não interessa se as autoridades o desmentiram).

Eu sei que é estúpido, mas não deixei de pensar: será que o competentíssimo e dedicado veterinário venezuelano da minha cadelinha, quando aparentava examiná-la, estaria com segundas intenções? Será que a minha família está a salvo na minha terra, antes sossegada?

Se ao leitor parecem exagerados estes receios, espero que pelo menos assuma o que verdadeiramente está em causa nas eleições americanas.

E, recordemos, a aprovação da Declaração de Independência foi celebrada pelos representantes das tais diásporas com um brinde de vinho da Madeira.