DNOTICIAS.PT
Artigos

O princípio do fim

Por cá, temos uma namorada chefe de gabinete que participa activamente em adjudicações ao namorado empresário e está tudo bem

Não serei, seguramente, a pessoa ideal para andar a falar sobre isto, até porque não suporto os detentores da moral e dos bons costumes que tentam impor a terceiros as suas regras, mas não resisto comentar mais este elefante no meio da nossa sala.

Dizia-me alguém um destes dias: - para quê tanta conversa quando já se sabe como isto acaba? Não vai dar em nada, outra vez! O “isto”, já aqui referido duas vezes, é o novo processo que impende sobre pessoas, umas com responsabilidade política e outras empresarial, que não é menor na minha humilde perspectiva.

Interessa-me pouco como acaba, confesso. Se existem provas, se estas são suficientes para formular uma acusação e se, depois, a acusação tem provimento é assunto para as entidades envolvidas nestes processos.

Estou genuinamente preocupado é com o início disto tudo e com o facto de ter sido possível normalizar determinadas formas de estar e de actuar durante tanto tempo, com tanta gente a fechar os olhos e a aceitar, conveniente e coniventemente, tornando aceitável porque corriqueiro aquilo que não é nem pode ser visto assim.

Em vez de andarmos a desculpar, a relativizar ou a menorizar práticas deploráveis, porque atentatórias dos mais básicos princípios, pensemos se não devemos mesmo assumir que o rei vai nu. Porque vai; ele e parte do seu séquito.

Dou um exemplo: - quando o Arq. Manuel Salgado assumiu funções de vereador na Câmara Municipal de Lisboa, comprometeu-se a que o seu atelier, que passou a ser gerido pelo filho, não participaria em nenhum concurso promovido pela autarquia. Se cumpriu ou não desconheço, mas espero que sim!

Por cá, temos uma namorada chefe de gabinete que participa activamente em adjudicações ao namorado empresário e está tudo bem; pedir escusa ou, pior ainda, solicitar ao mais-que-tudo que não se envolva em processos da “sua” Secretaria deve ser sinal de burrice.

Temos relações de proximidade pessoal que, em vez de inibir, promovem negócios. Temos a completa confusão entre o que é do partido e o que é do governo. Temos tarefas a serem mandadas executar só porque sim, que o gasto desde que tenha dotação está justificado.

A coisa assumiu uma proporção tal que este descarado suborno aos funcionários públicos, através do subsídio de insularidade pago recentemente, não só é legítimo como, pasme-se, é normal. Porque nós, os do privado, não vivemos cá…

Por isso me irrito quando leio que não há indícios ou que o problema é saber se vão ou não presos. Indícios, vejo-os e sinto-os há 50 anos! Mas a condenação cabe aos Tribunais; não é a praça pública que julga processos, embora possa opinar sobre eles.

Agora, aquilo que cabe a cada um de nós controlar, o que dita a nossa consciência e forma de actuar perante situações que não têm nada de dúbio – uma aldrabice, para poupar caracteres, é uma aldrabice – é essa lógica que me preocupa e que não vejo ser reflectida.

Independentemente do fim, interessa portanto mesmo é o princípio…