“Porque arde Portugal?” (I)

Este foi o título de artigo, de Miguel Santos Carrapatoso, no “Observador”, em 09 Ago. 2016.

“A vulnerabilidade da paisagem Portuguesa ao fogo tem sido potenciada por modificações demográficas e socio-económicas.

Nas serras baldias a florestação compulsiva do século XX substituiu pastagens comunitárias por pinhais, dos quais se excluiu o gado e o fogo. A gestão passou a obedecer a ditames exteriores, frequentemente excluindo os habitantes e alheando-os do território, e forçosamente causando perturbações que directa ou indirectamente se viriam a materializar em incêndios.” (Paulo Fernandes, Maio 2007, “Árvores e Florestas de Portugal”, pp. 69-91) “Nos últimos anos, tem aumentado o número de grandes incêndios que atingem as áreas rurais. Pela dimensão e intensidade do fogo, esta nova geração de incêndios dá origem a áreas ardidas mais extensas, com impacte socioeconómico significativo e perda de vidas.” (Set. 2019, florestas.pt).

Na entrevista ao Arquitecto Paisagista, Henrique Pereira dos Santos, na Rtp 3, dia 18, que explicou os vários aspectos técnicos da gestão florestal, que sendo seguidos minimizam os riscos de grandes incêndios florestais.

Ele explicou que o fogo é cíclico, em períodos de 5, 12 anos, porque uma área florestal que arde, quer dizer que também vai crescer em simultâneo e, vai estar, de novo, disponível, para nova tragédia, ciclicamente, se não tiverem sido tomadas as decisões adequadas e implementadas.

E referiu que a tragédia de Pedrógão, previsível, repetir-se à volta do ano 2030, e será muito pior, se não forem implementadas medidas adequadas na gestão da floresta.

A AGIF (a agência nacional que coordena e monitoriza as suas acções de combate e prevenção) no relatório do ano passado: “Ao deixar de gerir activamente o pós-fogo, nomeadamente o de 2017, e sem intervir com escala na restante área verde, deixámos acumular nos últimos seis anos vegetação na arbustiva e arbórea”, avisava a agência.

Ora essa acumulação de combustível natural “irá alimentar incêndios mais rápidos e severos que podem queimar mais de 750 mil hectares num só ano e/ou destruir locais únicos e ameaçar relevantes infra-estruturas e comunidades urbanas”. O retrato antecipado do que aconteceu no distrito de Aveiro.” (Público, 18 Set., p. 3).

A entrevista ao Arquitecto Paisagista, bem poderia ser, como que uma penitência, mea culpa, a cada cidadão, na devida proporção, que, neste país, ciclicamente, vê a tragédia na casa e empresa dos outros, até ao dia que sejam as nossas a arder, de ver áreas florestais do território desaparecer, o solo calcinado, e as consequências que daí resultam, na paisagem, na fauna, na biodiversidade, na segurança e na qualidade de vida dos cidadãos, gradualmente, conforme, a sua localização geográfica.

De, ciclicamente, vermos, o cenário, apocalíptico do fogo, da tragédia, o arriscar a vida de homens e mulheres para o combater e, acaso, ficarmos com a perceção de que melhor não será possível fazer, de sermos um País, um Povo, uma Cultura, que deviamos ter a consciência e ambição de dar o salto qualitativo, ético, sustentável, na nossa organização política, social, económica, em síntese, - de vida.

João Freitas