Será que a Madeira não apresenta sinais de “excesso de turismo”?
O secretário regional do Turismo, Eduardo Jesus, afirmou, esta manhã, que a Madeira não regista problemas de “turismo a mais", "não está em ‘overtourism’” e "não tem pressão turística” e que ainda “estamos a uma distância muito grande dos territórios que se encontram com esse fenómeno”. Será mesmo assim?
O termo ‘overtourism’ refere-se ao congestionamento e aglomeração de turistas, em tal nível que provoca situações de conflito com a população residente. Uma das definições mais utilizadas de ‘overtourism’ é aquela que consta de um estudo da Organização Mundial de Turismo publicado em 2019: “é o impacto do turismo num destino, ou partes dele, que influencia de forma excessivamente negativa a percepção de qualidade de vida dos cidadãos residentes e/ou a qualidade das experiências dos visitantes”. Esta é uma definição baseada em critérios qualitativos e resulta de um conjunto de experiências subjectivas, que procura combinar as percepções da população residente e dos turistas.
Mas existem outros conceitos de ‘overtourism’, baseados em critérios quantitativos, assentes na capacidade de carga das infraestruturas de determinado destino turístico ou num rácio entre número de residentes e visitantes. É um conceito que se enquadra mais na abordagem que o Governo Regional tem feito a este fenómeno.
Independentemente do conceito adoptado, há sintomas económicos, sociais e ambientais que mostram que uma cidade, região ou país está a ser afectada negativamente pelo número elevado de turistas. Tais sinais são identificados em análises de instituições como a Organização Mundial do Turismo e World Travel & Tourism Council, organizações não governamentais como o World Wildlife Fund, estudos académicos e artigos da imprensa especializada como o ‘National Geographic’ e ‘Travel & Leisure’.
Em seguida apresentamos os dez sinais que apontam para a existência de ‘turismo excessivo’ e, a partir de dados e notícias locais, procuraremos fazer um breve diagnóstico local e saber se cada um deles é identificável na Madeira.
1. Sobrelotação das atracções turísticas
Formação de filas extremamente longas, multidões em pontos turísticos, dificuldade de se movimentar. Lotação dos locais mais conhecidos, comprometendo a experiência dos visitantes e a mobilidade.
Diagnóstico: em certos dias formam-se filas nos carreiros do Monte, no teleférico (sobretudo em dias de escala de cruzeiros), Mercado dos Lavradores, piscinas do Porto Moniz e congestionamentos nas levadas mais populares.
Carolina Rodrigues , 24 Setembro 2024 - 13:07
Francisco José Cardoso , 17 Agosto 2023 - 12:06
Turistas enchem as piscinas do Porto Moniz
Afluência provoca fila à entrada do complexo
Orlando Drumond , 14 Julho 2024 - 13:04
2. Degradação ambiental
Danos na Natureza, como erosão do solo, destruição de ecossistemas, poluição (lixo deixado por turistas), e impacto negativo na fauna e flora locais são sinais comuns.
Diagnóstico: há sinais de desgaste nalguns trilhos pedestres, embora não seja propriamente uma situação irrecuperável ou catastrófica.
Erica Franco , 24 Maio 2022 - 07:00
3. Infraestruturas sobrecarregadas
O ‘overtourism’ pressiona estradas, transportes públicos, redes de saneamento e fornecimento de água. Isto pode resultar em trânsito constante, água ou energia limitadas, e serviços municipais incapazes de lidar com a procura.
Diagnóstico: há mais trânsito na via rápida e sobrelotação de parques de estacionamento. Há que reconhecer, contudo, que não serão apenas os turistas que contribuem para estes problemas.
Francisco José Cardoso , 19 Setembro 2024 - 08:16
4. Aumento no custo de vida dos residentes
O preço das habitações, alimentos e serviços sobe drasticamente com o aumento da procura turística. Isto leva à gentrificação, forçando os residentes locais a deixarem as suas áreas de origem devido ao custo elevado.
Diagnóstico: nos centros das principais localidades, imóveis antes ocupados por madeirenses hoje são alojamentos locais. É por demais evidente o aumento dos custos para compra de habitação na Região.
Preço das casas na Madeira subiu 16,7% num ano e lidera ranking nacional
Comprar casa na Madeira já ultrapassa os 3.000 euros por metro quadrado
Francisco José Cardoso , 12 Agosto 2024 - 08:55
5. Mudanças na vida comunitária
O grande fluxo de turistas pode perturbar o quotidiano dos residentes. Áreas antes tranquilas tornam-se caóticas e barulhentas, afectando a qualidade de vida dos moradores, que frequentemente se queixam de incómodos.
Diagnóstico: há cerca de duas décadas que há queixas de ruído nocturno excessivo na Zona Velha. Nos anos mais recentes, as reclamações estenderam-se a outros pontos, como a Rua das Fontes, muito frequentada à noite por madeirenses e turistas.
Andreína Ferreira , 03 Outubro 2021 - 15:08
6. Comércio vocacionado exclusivamente para turistas
Os pequenos comércios locais são substituídos por lojas de ‘souvenirs’ e restaurantes para turistas, mudando a dinâmica do comércio local e tirando a autenticidade cultural do destino.
Diagnóstico: o fecho das lojas de comércio tradicional, substituído por estabelecimentos vocacionados para o turismo (lojas de recordações, gelatarias e bares) é notório no centro do Funchal, mas é uma tendência que tem três décadas.
7. Impacto cultural negativo
As práticas culturais locais podem ser desrespeitadas, com os turistas a não seguirem regras de vestuário ou de comportamento. Além disso, tradições podem ser adaptadas ou até distorcidas para se adequar à procura turística.
Diagnóstico: têm sido cada vez mais frequentes as denúncias de madeirenses nas redes sociais relacionadas com comportamentos extravagantes de turistas, como a realização de acampamentos em locais inapropriados e a circulação nas ruas em trajes menores.
Carolina Rodrigues , 24 Setembro 2024 - 12:37
Turista apanhado a dormir em viatura furtada
Carro que havia desaparecido de Ponta Delgada foi encontrado em Machico
Orlando Drumond , 26 Setembro 2024 - 12:45
Carolina Rodrigues , 25 Setembro 2024 - 16:47
8. Aumento do lixo e poluição
O lixo gerado pelos turistas pode exceder a capacidade de recolha e gestão das cidades. São situações que podem ser visíveis em praias, parques e áreas públicas, onde há acumulação de resíduos ou poluição do ar e da água.
Diagnóstico: há aumento de produção de lixo e consumo de água, com necessidade de reforço de serviços, como acontece no Funchal. Mas a eficácia da limpeza dos espaços públicos não está comprometida.
Carolina Rodrigues , 13 Agosto 2024 - 11:49
9. Conflitos entre turistas e residentes
Podem surgir conflitos à medida que o aumento do número de turistas provoca um impacto negativo nas rotinas locais. Isto pode manifestar-se em reclamações constantes de barulho, comportamento desrespeitoso ou invasão de espaços.
Diagnóstico: as reclamações nas redes sociais relacionadas com o incumprimento de regras de trânsito por parte dos turistas são frequentes.
Estacionamento irregular de viaturas turísticas provoca constrangimentos no Funchal
Autarquia apela ao cumprimento das regras de trânsito relativas à paragem e ao parqueamento automóvel
Marianna Pacifico , 22 Agosto 2023 - 18:23
Andreína Ferreira , 17 Agosto 2024 - 13:23
10. Turistas com experiências insatisfatórias
Quando a superlotação afecta a qualidade da visita, os turistas começam a ter experiências decepcionantes, o que pode resultar em avaliações negativas e na insatisfação geral com a viagem.
Diagnóstico: apesar da subida significativa do número de turistas na Madeira nos últimos anos, a larga maioria dos visitantes deixa o nosso arquipélago com boas recordações e faz avaliações positivas nas várias plataformas de opinião disponíveis online.
Em jeito de resumo, podemos considerar que na Madeira já se observam alguns dos sintomas que caracterizam o 'turismo excessivo'. Sinal disso é que hoje há novos temas que são abordados nos diversos órgãos de comunicação social e objecto de debate na sociedade, como a sobrelotação de alguns pontos de interesse turístico. No entanto, por agora, os impactos negativos são apenas apontados pela população residente, não tanto pelos visitantes.