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PGR termina mandato em Outubro com reta final marcada pelos casos Influencer e Madeira

Profissionais do sector fazem balanço do mandato de Lucília Gago e apontam ao perfil do/a próximo/a Procurador/a-Geral da República

Foto Arquivo/Paulo Alexandrino/Global Imagens
Foto Arquivo/Paulo Alexandrino/Global Imagens

A Procuradora-Geral da República (PGR), Lucília Gago, termina em 11 de outubro o seu mandato, cuja reta final ficou sobretudo marcada pela polémica ligada ao caso Influencer que levou à demissão do ex-primeiro-ministro António Costa.

Apesar de na memória dos portugueses prevalecer essencialmente a controvérsia resultante das investigações ao caso Influencer e ao caso da Madeira que envolveu o presidente do Governo Regional daquela região autónoma, Miguel Albuquerque, muito foi dito e aconselhado pela PGR durante os seus seis anos de mandato.

Logo na posse, em outubro de 2018, Lucília Gago disse eleger "como uma das grandes prioridades do meu mandato -- o combate à criminalidade económico-financeira, com particular enfoque para a corrupção", observando que esta "se tornou um dos maiores flagelos suscetíveis de abalar os alicerces do Estado e corroer a confiança dos cidadãos no regime democrático".

Ainda em 2018, a PGR levantou a voz para dizer que "qualquer alteração relativa à composição do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) que afetasse o seu atual desenho legal - designadamente apontando para uma maioria de membros não magistrados -- tinha associada grave violação do princípio da autonomia" do Ministério Público.

Numa altura em que algumas figuras de principais partidos políticos defendiam uma maioria de membros não magistrados do MP no CSMP, Lucília Gago advertiu que tal "radical alteração" proposta contrariava os pressupostos que a tinham levado a aceitar o cargo de PGR.

Em outubro de 2019, muito antes de sofrer ataques e críticas sobre o "timing" e a oportunidade de algumas investigações a políticos influentes, a PGR assegurou que "o MP não se pauta, obviamente, por critérios políticos, nem tem que atender a esse tipo de 'timings'".

"Tudo o que envolva a avaliação política das situações é para outra dimensão que não o MP", disse, ao ser questionada pela Lusa sobre a data em que foi conhecida a acusação do caso de Tancos, durante a campanha eleitoral para as eleições legislativas de outubro desse ano.

Também noutra vertente a história se repetiu durante o mandato. Acusada recentemente de "não pôr ordem na casa", Lucília Gago, ao invés sofreu ataques internos do MP, em 2020, por alegadamente desejar reforçar os poderes hierárquicos por via de uma diretiva.

"Quero deixar claro que, em termos de relação hierárquica, nada se alterou por força quer do parecer do Conselho Consultivo (da PGR), quer da diretiva que a propósito dele emiti. Essa relação hierárquica mantém-se como sempre aconteceu no passado, ao longo de décadas, aliás."

A este propósito, disse ainda no parlamento: "Não houve da minha parte qualquer intenção de provocar um levantamento por parte dos magistrados (...), nem de criar uma hierarquia mais musculada. Houve, sim, um propósito clarificador".

Criticada insistentemente devido ao caso Influencer e ao parágrafo apontado por muitos como causa direta da demissão de António Costa, Lucília Gago declarou: "Não me sinto responsável por coisa nenhuma [demissão de António Costa]".

Enfrentando críticas de vários setores da vida política e social, nomeadamente dos subscritores do Manifesto dos 50, Lucília Gago declarou em entrevista à RTP: "Estou perfeitamente consciente que há de facto uma campanha orquestrada por parte de pessoas que não deviam, uma campanha orquestrada na qual também se inscrevem um conjunto alargado pessoas que têm atualmente, ou tiveram no passado, responsabilidades de relevo na vida da nação. Melhor fora que não fizessem os ataques que têm sido desferidos."

Perante críticas de escutas prolongadas a arguidos do caso Influencer, a PGR, na sua audição no parlamento, contrapôs que "o MP apenas recorre a escutas quando justamente e de forma criteriosa percebe que elas são essenciais", advertindo que "se for outra a opção do legislador, algumas investigações poderão vir a soçobrar".

Novo PGR deve ser independente do poder político

O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) defende que o futuro Procurador-Geral da República (PGR) deverá ter "independência perante o poder político" e "conhecimento profundo do Ministério Público", entre outras qualidades.

Questionado pela agência Lusa sobre que perfil deverá ter o sucessor da atual PGR, Lucília Gago, que termina o mandato em 11 de outubro, Paulo Lona presidente do SMMP realçou como características fundamentais, "independência perante o poder político, mesmo perante quem nomeia" o PGR e um "conhecimento profundo do Ministério Público.

Um conhecimento do MP nas suas diversas atribuições, "dificuldades e insuficiências de recursos humanos, materiais e tecnológicos, que prejudicam um serviço célere e de qualidade aos cidadãos".

Segundo Paulo Lona, outra característica que o perfil do futuro PGR deve ter é o de "grande experiência, capacidade de diálogo e mobilização".

O presidente do SMMP apontou ainda que o novo PGR deverá garantir "respeito pela autonomia interna e externa" da magistratura do Ministério Público, em "conformidade com as recomendações do Conselho da Europa, Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO) e Tribunal de Justiça da União Europeia".

Também em recentes declarações à Lusa, Paulo Lona, ao traçar o perfil adequado do futuro PGR, referiu que, em termos de comunicação, deverá ser "alguém que comunique bem internamente e externamente sobre a atividade do MP".

Na altura, mencionou que o novo PGR deveria ser ainda alguém que "tenha conhecimento da casa (MP), do desgaste profissional que existe nestes magistrados (casos de "burnout") e da insuficiência de meios e de oficiais de justiça" com que o MP se depara na atividade diária.

Paulo Lona admitiu ainda que "seria mais natural" que a escolha do próximo PGR "fosse um magistrado do MP", mas lembrou que essa escolha "é política", pois é nomeado pelo Presidente da República sob proposta do Governo.

Próximo PGR deve saber valorizar papel dos oficiais de justiça junto do MP 

O presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais considera que o próximo Procurador-Geral da República terá de ser "alguém que conheça bem o sistema de justiça" e saiba valorizar o papel dos oficiais de justiça junto daquela magistratura.

Em declarações à agência Lusa sobre o perfil de quem irá suceder a Lucília Gago, a partir de 11 de outubro, António Marçal defendeu que o novo Procurador-Geral da República (PGR) terá de ser alguém que "conheça muito bem o sistema de justiça", bem como o papel que o Ministério Público (MP) desempenha nas várias áreas de atuação, incluindo na vertente criminal, laboral e família de menores.

"Tem de ser alguém que saiba e conheça por dentro o funcionamento do MP, mas também tem de ser alguém que tenha a capacidade de explicar aos cidadãos e à comunidade" a atividade dessa magistratura, de uma "forma permanente e fácil", sem duplas interpretações.

António Marçal entendeu ainda como fundamental que o novo PGR evidencie uma "especial sensibilidade" para a "preponderância" e importância do trabalho dos oficiais de justiça junto dos departamentos do MP, observando que o atual défice de funcionários judiciais pode comprometer o cumprimento de prazos razoáveis por parte daquela magistratura.

Em sua opinião, se esse défice de quadros não for resolvido, o sistema "não irá longe".

O presidente do SFJ disse ainda esperar que o próximo PGR, cujo nome já seria altura de ser conhecido na proposta do Governo ao Presidente da República, seja alguém que consiga imprimir uma "nova forma de organização" daquela magistratura em coadjuvação com outros agentes da justiça.

Tendo em conta como está desenhado e consagrado constitucionalmente o sistema de justiça que prevê a existência de duas magistraturas, a do MP e a dos juízes, António Marçal considera que se o novo PGR for alguém "vindo de fora" do MP isso "pode não trazer nenhuma benesse, antes pelo contrário".

"Com certeza que haverá alguém dentro da magistratura do MP que seja capaz de dar um novo alento que o país precisa" no cargo de PGR, concluiu.

Associação Sindical de Juízes defende que PGR deve ser magistrado do Ministério Público

O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) considera que o próximo Procurador-Geral da República (PGR) deve ser magistrado do Ministério Público.

Em declarações à agência Lusa sobre qual deverá ser o perfil do sucessor de Lucília Gago à frente do Ministério Público, Nuno Matos referiu que a "tremenda" pressão pública em torno da escolha da pessoa que irá ocupar o lugar de próximo(a) PGR não tornará fácil o desempenho do cargo".

Em sua opinião, decisivo é que tenha "espírito de serviço público, prestigie a magistratura do Ministério Público e se empenhe na melhoria do sistema de justiça, na defesa dos direitos humanos e na garantia de acesso a uma justiça de qualidade".

"Sendo importante a figura do(a) PGR para se alcançar os objectivos referidos, é manifesto que outros factores, como a atuação política na área da justiça, promovendo o fornecimento de meios humanos, logísticos e legislativos, assumem também relevância", acrescentou o presidente da ASJP.

Nuno Matos salientou ainda que "credibilizar a instituição [Ministério Público] não significa ausência de crítica (e de auto-crítica) e de escrutínio público" e apontou que a tão falada reforma da Justiça "nunca poderá pôr em causa o papel constitucional e legal do Ministério Público, a sua autonomia, que traduz uma importante garantia do Estado de Direito".

Segundo a Constituição portuguesa, o PGR é nomeado sob proposta do Governo.

Na segunda-feira, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, disse esperar poder decidir rapidamente sobre o nome que venha a ser proposto pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro, para suceder a Lucília Gago à frente da Procuradoria-Geral da República.

"Espero que seja uma decisão rápida, se não mesmo imediata" ao momento de apresentação do nome pelo primeiro-ministro, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa aos jornalistas.