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Enfatizar incendiarismo é estratégia de políticos, diz especialista

Foto Shutterstock
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O professor e especialista em fogos florestais Paulo Fernandes considera que enfatizar o incendiarismo é "uma estratégia típica dos políticos" e diz tratar-se de um crime que representa um terço dos incêndios, sem ligação a "redes e interesses".

"É um bocadinho uma manobra dos políticos, às vezes para desviar as atenções do que não é feito", disse o professor em entrevista à agência Lusa, quando questionado sobre se está a ser dada demasiada importância ao fogo posto em relação aos incêndios que na semana passada atingiram vastas áreas no norte e centro de Portugal continental.

Na terça-feira da semana passada, após um Conselho de Ministros extraordinário, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, anunciou a criação de uma "equipa especializada" para investigar criminalmente a origem dos incêndios, falando em "coincidências a mais" e em "interesses particulares". Nesse dia já tinham morrido sete pessoas e 40 tinham ficado feridas em conexão com os fogos em concelhos como Oliveira de Azeméis, Albergaria-a-Velha e Sever do Vouga, no distrito de Aveiro.

As declarações do primeiro-ministro trouxeram para a discussão pública a questão do fogo posto, mas na entrevista à Lusa Paulo Fernandes desvaloriza, diz que nunca foi demonstrada a existência de "redes" e de "interesses". "A polícia judiciária investiga crimes de incêndio há décadas, se existissem já teriam sido descobertos".

Mas também, admite o investigador na área florestal e professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), os políticos podem estar convencidos de que há essa predominância.

"Mas por aquilo que sabemos, a partir do universo de incêndios que tem uma causa encontrada, (o incendiarismo) este ano estava em 33%", diz, explicando que a percentagem varia com os anos e que nestes números não entram incêndios provocados por crianças ou por adultos inimputáveis.

Nos outros dois terços das causas de incêndios predomina a negligência, muitas vezes ligada ao mau uso do fogo, a cigarros, a queimadas. E Paulo Fernandes acrescenta depois os fogos naturais, os reacendimentos quando o trabalho de combate não foi completo, quando os bombeiros tiveram de ir para outros fogos, quando as técnicas usadas não foram as melhores.

Licenciado em Engenharia Florestal, doutorado em Ciências Agrárias - Ciências Florestais pela UTAD, com trabalho científico nomeadamente no comportamento e ecologia dos fogos florestais, e (co) autor de mais de uma centena de artigos científicos, Paulo Fernandes integrou a comissão técnica criada na sequência dos grandes incêndios de 2017, que na altura propôs a criação de uma agência especializada em fogos rurais.

Em 2018 foi criada a Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF) e agora, quando a Lusa o questionou sobre se a agência está a cumprir os objetivos Paulo Fernandes responde: "A AGIF faz o que a deixam fazer, porque não tem poder".

Nas palavras do responsável a agência fez "muita coisa boa em termos de abordagem às questões em geral dos incêndios" como legislação e planos, que são mundialmente reconhecidos, mas apenas tem capacidade de aconselhamento e planeamento, porque não executa. E ter saído da dependência direta do primeiro-ministro para o Ministério da Agricultura também a fez perder "muita influência".

Em termos gerais, apesar da "muita coisa boa" que se tem feito no país, diz, era fundamental apostar mais na "qualificação técnica de todo o sistema de prevenção integrada de fogos rurais, da prevenção ao combate".

"Vejo muito essa falta, as pessoas, uma boa parte, deviam de estar, do ponto de vista técnico, mais preparadas. Temos de ter uma força de trabalho e de prevenção o mais bem preparada possível, porque tudo o resto vai depender disso", diz na entrevista.

Fogos da semana passada diferentes de 2017

Paulo Fernandes diz serem muito diferentes os incêndios da semana passada em relação aos de 2017, nos quais morreram mais de 100 pessoas, e compara-os antes ao que aconteceu em 2016.

"Vejo este ano um pouco como a repetição de 2016, muito parecido na localização das áreas ardidas, na meteorologia, com um início de ano húmido", afirma o responsável em entrevista à Lusa, recordando o "ano mau" de 2016, com 160 mil hectares ardidos.

No ano seguinte, em 2017, arderam 540 mil hectares em incêndios violentos, como os que assolaram na semana passada vastas zonas no norte e centro do continente. Mas as semelhanças, considera, ficam por aí.

É que, afirma, a "explosão de área ardida em poucos dias" também tinha acontecido em 2017, ou em 2003, mas o tipo de fogos é diferente.

E explica: Os incêndios de agora foram incêndios de vento, de leste e muito seco, com temperaturas acima da média, depois de muito tempo sem chuva, e os de 2017, de junho e alguns de outubro, aconteceram numa situação meteorológica diferente, influenciada por trovoada, com "fogos convectivos" em que as condições atmosféricas levaram à criação das "tempestades de fogo".

O investigador alerta para a tendência para incêndios violentos, que em pouco tempo consomem muita área, ao contrário do passado com mais incêndios mas mais pequenos também.

Primeiro porque as condições meteorológicas são cada vez mais severas e depois porque as barreiras à propagação do fogo são cada vez menos, especialmente devido ao abandono dos campos e da agricultura familiar, que "ia fazendo a compartimentação dos espaços florestais", e depois ainda porque não é "muito eficaz o combate aos incêndios".

Entende-se nas palavras do especialista que atualmente os incêndios em condições meteorológicas fáceis são facilmente suprimidos porque há meios de combate como nunca antes. E tem havido "anos bons, com área ardida muito baixa". Mas não se pode descurar um certo "efeito positivo" dos fogos, que estão a remover biomassa. "Se há menos fogos estamos a criar condições para fogos maiores no futuro".

Com trabalho científico nomeadamente no comportamento e ecologia dos fogos florestais, e (co) autor de mais de uma centena de artigos científicos, Paulo Fernandes é uma das maiores autoridades em termos de incêndios. Na entrevista à Lusa explica que a área ardida fica como que salva de incêndios por cinco anos, dependendo do tipo de vegetação, e que o máximo de perigo atinge-se por volta dos 15 anos, quando é atingido o pico de biomassa.

E vê vantagens no fogo controlado, que é praticado em Portugal no outono e na primavera mas numa escala muito pequena (dois a três mil hectares por ano). "Era preciso áreas maiores e em locais estratégicos. Porque os grandes incêndios ou não encontram áreas tratadas ou são tão pequenas que têm pouco efeito".

E depois, "é muito raro haver meios de combate, bombeiros, a aproveitar essas oportunidades" (de áreas tratadas). "Há faixas de gestão de combustível, há oportunidades de controlar os incêndios, mas na prática o que vemos, especialmente nestes dias tão maus, é que 95% dos bombeiros estão a proteger casas, aldeias, infraestruturas... a nossa força de combate para enfrentar fogos nos espaços florestais é muito reduzida. E isto cria um efeito bola de neve, porque se os incêndios se propagam livremente no espaço florestal e provável que encontrem cada vez mais povoações no caminho e isso vai agravando mais a situação", diz.

As queimadas fazem parte da realidade portuguesa, lembra o especialista, admitindo que parte dos incêndios da semana passada se tenha devido a queimadas dos pastores, que as não fizeram no inverno porque choveu muito.

Entende Paulo Fernandes que mudar a paisagem não passa de uma ideia "romântica e irrealista" e que é preciso sim tentar geri-la de formas práticas, com fogo controlado, com pastoreio, com gestão florestal. "Se conseguíssemos aumentar a gestão, se não tivéssemos tanta floresta abandonada...".

E dá mais à frente o exemplo dos eucaliptos, cortados ao fim de 12 anos e que depois renascem, altura em que têm de ser trabalhados mas na verdade são quase sempre abandonados, criando uma floresta densa. "Há milhares de hectares nessa situação", diz, ainda que sem diabolizar o eucalipto.

O que é preciso também, resume, é controlar incêndios em meio florestal, evitar fogos em dias com meteorologia difícil, educar, sensibilizar, dissuadir, patrulhar, aumentar a prontidão nesses dias, valorizar os avisos. "Os meios aéreos que vieram de fora podiam e deviam ter sido pedidos mais cedo", porque são meios que resultam no início dos fogos, não tanto depois, quando a água apenas diminui momentaneamente as chamas.

"No fundo é muito isso, a capacidade de antecipação, as oportunidades de combate devem ser percebidas antes. O conhecimento todo que existe infelizmente é pouco aplicado", diz.

Nove pessoas morreram e 175 ficaram feridas devido aos incêndios que atingiram na semana passada sobretudo as regiões Norte e Centro do país. A Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil exclui desta contagem os dois civis que morreram de doença súbita.

Estes incêndios provocaram 135 mil hectares de área ardida, segundo o sistema europeu Copernicus e destruíram dezenas de casas.