E agora, quem devo ser?
O problema não é a opinião dos outros. O problema é a opinião que temos sobre a opinião dos outros. O problema está sempre na qualidade (ou falta dela) do diálogo interno
O conceito de família tem evoluído a par com as socidades. Hoje, é comum e incontornável a presença das madrastas e dos padastros na vida de muitas crianças e jovens. Acontece, naturalmente, pós divórcio. Nascem assim, aquilo a que se chama as: ‘famílias recompostas’. O nome não me atrai. Prefiro o termo inglês ‘stepfamily’ – por não carregar em si qualquer tipo de conotação, seja positiva ou negativa. O prefixo ‘step’ foi adaptado para nomear os membros que entraram na ‘stepped in’, a família e para estabelecer relações entre si. Mas estamos em Portugal e vou utilizar a terminologia portuguesa para que possamos refletir em conjunto sobre o tema, que, de resto, pede muita luz e consciência.
É comum, seja em contexto de neurolinguística, seja em coberturas jornalísticas de casos de justiça, no Tribunal Penal e no de Família e Menores, receber e fazer perguntas sobre este tópico. Há perguntas cujas respostas são absolutamente claras, para mim, e há outras que não. Para me ajudar a trilhar este caminho consultei especialistas na matéria, sobretudo na área do direito e da psicologia. Reuni aqui, algumas das principais questões que me colocam e a proposta prática para as respetivas respostas.
• O
que são famílias recompostas?
São aquelas famílias, com dois adultos numa união, em que um dos membros do
casal ou os dois têm filhos de relacionamentos anteriores. Podem existir os
filhos de um, os filhos de outro ou os filhos de ambos. As crianças têm irmãos,
meios-irmãos e quase irmãos, uma vez que alguns não têm qualquer laço de sangue
face aos outros. Podem ser menores ou maiores de idade.
• As famílias recompostas são iguais às famílias nucleares?
Não. Isto não significa que sejam piores ou inferiores. São apenas diferentes e naturalmente mais complexas.
• Por
que é que as famílias recompostas são mais complexas que as famílias nucleares?
Apenas porque ainda não existe uma memória colectiva. Essa, precisa de
tempo para se instalar. Além disso, nas famílias recompostas, cada pessoa
carrega já uma bagagem emocional (e não só) que pode ser pesada. Pode conter
experiências doloroas e traumas. Pode também, ser uma família multicultural (é
de uma riqueza maravilhosa e ainda assim, para quem não está habituado, pode
gerar dúvidas no início). Pede-se um investimento em tempo, empatia, compaixão
e paciência, até que todas as bagagens se integrem, transcendam e nasça uma
história familiar comum.
• Sentir-se estranha/o na própria casa
Na fase inicial desta vida familiar, o papel da madrasta ou padrasto pode revelar-se ambíguo e até ingrato. Existe a intenção de investir na relação conjugal, agora com as aprendizagens fruto de erros do passado e, ao mesmo tempo, existe a intenção de criar vínculo com crianças que não são suas, tratando-as de forma justa, equitativa, sem diferenciação em relação aos seus filhos (quando existem). E tudo isto, pode, num período de tempo, ser desafiante, sobretudo se houver expetativas à mistura. Por isso, é essencial colocar-se questões como:
- Qual é o meu papel na nossa família?
- O que é esperado de mim?
- O que posso esperar dos demais?
Diria que primeiro, é importante definir intenções individuais e em casal,
depois pequenos objetivos e conhecer cada um dos membros da família recomposta,
no seu tempo, em empatia e escuta ativa. Assumir esta resposnsabilidade é ser
realista e respeitar o todo. E assim, conhecendo as necessidades individuais, o
casal saberá definir os papéis de todos no sistema familiar e ajustar as suas
formas parentais à família. Com paciência. Sem pressas.
• O que estabelecer primeiro, limites ou afetos?
Vínculo! Antes de qualquer limite, norma ou regra, madrastas e padastros devem criar uma relação saudável – segura, empática, em igual valor, integridade, autenticidade e responsabilidade. Se a criança/ adolescente/ jovem sentir que é visto e reconhecido (de forma honesta), com base nestes valores, se a comunicação for consciente e clara, os limites serão mais facilmente entendidos e respeitados, também.
• Madrastas e padastros são segundos pais?
Não! Esse é um dos mitos negativos comuns quando se fala em famílias
recompostas. Madrastas e padrastos não são mãe, nem pai. Mãe e pai são
insubsituíveis. Mesmo quando falecidos ou ausentes por vontade própria.
• Que nome chamar à madrasta e ao padrasto?
Tendencialmente educamos segundo os nossos modelos de educação e pode acontecer que, por uma questão de inconsciente coletivo, cultural, ou por ser um meio mais pequeno, ainda surjam conotações negativas associadas ao nome madrasta e padrasto. Por isso, se o nome incomoda, é só substituir por outro (que não seja mãe e pai). Por exemplo, eu costumo dizer que sou a ‘boadastra’ do meu enteado, a quem tenho como um filho.
• Falar ou não das ex-mulheres, dos ex-maridos..?
Os ex-parceiros podem ser mais ou menos presentes na vida dos filhos. Independentemente dos diversos factores que “justificam” a ausência, os incumprimentos, é fundamental que não se teçam comentários negativos, depreciativos e difamatórios em relação a estas pessoas, sobretudo em frente dos filhos. O ideal é guardar estas opiniões e partilhá-las apenas com pessoas de extrema confiança.
E
em todo este processo, ajuda termos presentes duas questões:
- O que é mais importante agora?
- O que faria o amor?
Isso e um dos ensinamentos da Sta Madre Teresa de Calcutá; “não é o que se
dá, mas o amor com que se dá.” Afinal, quem ama cuida, com o
coração.