Fenómeno vem crescendo nas sociedades ocidentais
Já há muito caiu por terra a ideia de que os casamentos são para toda a vida, embora seja esse o desejo à partida, já não há socialmente essa pressão para que a união se mantenha independentemente dos sentimentos do casal e isto estende-se a todas as idades. Se até há uns anos os divórcios aconteciam nos casais jovens e até aos quarentas, agora essa liberdade alargou-se, num fenómeno que vem crescendo nas sociedades ocidentais e a que deram o nome de divórcios grisalhos.
O termo tem mais de uma década e popularizou-se na investigação de Susan L. Brown, co-diretora do Centro Nacional de Pesquisa Familiar e Matrimonial da Bowling Green State University nos Estados Unidos. Vários estudos têm sido publicados sobre o tema que dão conta que há cada vez mais casais com casamentos longos que se separam numa fase mais avançada da vida, alguns até depois dos 70 e muitos anos de idade.
Os divórcios a partir dos 50 anos é uma tendência mundial e em Portugal também é um fenómeno em crescimento, fruto de um novo olhar sobre o casamento, a vida e a o envelhecimento. Na Madeira, segundo a Direcção Regional de Estatística os números mais recentes são de 2022. Dão conta que dos 553 divórcios decretados nesse ano, quase metade, 246, foram de casais em que um dos cônjuges tinha 50 ou mais anos.
Para este recomeçar numa fase mais tardia contribuem o aumento da expectativa de vida, a independência financeira das mulheres e o empoderamento delas, bem como a aceitação do processo de separação pela sociedade em geral, fruto das alterações sociais e culturais das últimas décadas que se estende também aos idosos. Há uma maior consciência das necessidades individuais, até sexuais, das possibilidades da vida e maior exigência sobre o que esperar dela, incluindo após a vida activa.
Com os filhos crescidos e em alguns casos a reforma concretizada, homens e mulheres vêem-se a passar mais tempo com o companheiro, só que em alguns casos essa maior proximidade física vem apenas aprofundar o fosso existente entre o casal, quer em termos de personalidades e projectos, quer de prioridades e interesses, até porque as relações são dinâmicas e as pessoas também mudam com o passar do tempo. Os que deixaram de se rever no parceiro acabam confrontados com um ‘estranho’ na cama e na sala.
“As alterações demográficas, como o aumento da esperança de vida, proporcionam mais anos para a insatisfação com o casamento, incluindo a exposição da incompatibilidade dos objectivos dos cônjuges no final da vida, a mudança de personalidade na sequência da doença de um cônjuge, a perceção de que os anos que se seguem são limitados para cumprir os objectivos e viver o romance”, sublinham os investigadores suecos Torbjörn Bildtgard e Peter Öberg. Há casos ainda em que o divórcio nasce do desejo de pôr fim a uma relação desigual ou violenta.
Estudos revelam que o divórcio grisalho desenvolve-se em duas fases, uma primeira de insatisfação a longo prazo no casamento, mas em que os casais continuam juntos; e uma segunda que precipita a decisão de separação depois de anos de agravamento da angústia conjugal em que o casamento se torna completamente negativo.
Confiantes no futuro, um número crescente acaba por pôr fim às relações para se darem uma oportunidade de começar de novo, sobretudo quando estão fisicamente e psicologicamente bem.
Um artigo do Instituto de Longevidade aponta mesmo aspectos positivos no divórcio grisalho, como a autodescoberta, a carreira que poderá beneficiar dessa separação, a emancipação financeira, a concretização de sonhos deixados para trás ou novos e a liberdade de não ter de esperar pela opinião e disponibilidade do outro.
Por outro lado, estes divórcios vêm contribuir para aumentar o número de idosos que vivem sós, podendo mesmo colocar novos desafios futuros.