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Análise

Não vale tudo

‘Se deve que pague’ era a expressão usada por um experimentado socialista, da velha guarda, quando confrontado, pelos media, com as suspeitas de corrupção que envolviam camaradas de partido e que teve em José Sócrates o zénite de todos os escândalos a envolver políticos e a relegar a política para caminhos dúbios e pouco recomendáveis.

Este é realmente o princípio orientador que deve estar na base de tudo: se cometeu alguma ilegalidade que pague por ela, ponto. O que não devemos tolerar, como sociedade democrática e respeitadora(?) dos direitos, liberdades e garantias de todos os cidadãos é a condenação de suspeitos na praça pública. A presunção de inocência tem de ser respeitada para infelicidade dos que pugnam pelo derramamento de sangue na calçada e pelo triste espectáculo preconizado pela própria Justiça, por exemplo, na condução de arguidos detidos para tribunal, que envolve uma mistura de algemas, corte de vias e ‘shotguns’ de fartura, numa cenografia utilizada quando em causa estão traficantes de droga ou assassinos em série. Assistimos, durante a semana, à vil humilhação pública de oito pessoas indiciadas em diversos crimes. Indiciadas, não acusadas e muito menos julgadas. Algumas são figuras públicas, em cargos políticos. Isso não lhes retira dignidade, nem os seus direitos são proscritos por esse motivo. A Justiça devia de acautelar a sua respeitabilidade e não submeter ao vexame e enxovalho arguidos que têm de ser ouvidos, protegendo-os da exposição pública e do circo gratuito que estas operações inevitavelmente geram. Ninguém ganha com isso. Antes pelo contrário, retira institucionalidade a um importante órgão de soberania, desacreditando os cidadãos perante o sistema judicial, que primeiro dispara e só depois pergunta, optando por um ‘modus operandi’ aviltante e abominável.

Neste como em todos os casos a Justiça tem de funcionar de forma célere, o que como se sabe não acontece, sujeitando os cidadãos a uma penosa via-sacra condenatória e condicionadora dos seus direitos fundamentais durante demasiado tempo. Pior, o Ministério Público detém para logo depois o juíz soltar. Algo vai muito mal na investigação pública.

2. A operação judicial que varre, com estrondo, a Região, pela segunda vez neste ano atinge novamente a cúpula do PSD, partido no poder desde 1976. Não é uma situação exclusiva da Madeira. No País muitos foram os casos que abalaram as estruturas partidárias de socialistas e social-democratas ao longo dos últimos anos. Nem sempre isso teve repercussão eleitoral, mas não deixa de fragilizar o partido que não pode ser confundido com o Governo Regional nem vice-versa. O que sempre correu à boca pequena sobre a alegada promiscuidade entre o público e o partidário tem de ser clarificado pela Justiça, para que não subsistam dúvidas sobre a saudável separação de águas.

3. Em que estudo, facto ou evidência científica se baseia o PSD para desejar um regresso ao passado e aos círculos concelhios? A alteração preconizada em torno da Lei Eleitoral é extemporânea. Que interesse real existe em mexer no modelo em vigor desde 2007? Se é assim tão pernicioso para a democracia porque se age apenas agora, 17 anos depois de ter sido implementado? Ninguém, a não ser Miguel Albuquerque e os seus seguidores, acredita na candura da proposta social-democrata. Que se possibilite o voto em mobilidade, estaremos todos de acordo. Que se contemple um círculo pela emigração aí já subsistem muitas dúvidas. Que pessoas estariam aptas para votar, por exemplo, nas comunidades espalhadas pelo globo? Pior, aumentar o número de deputados no parlamento? A pressa com o Albuquerque atirou este tema para a discussão levanta fundamentadas dúvidas e a certeza de que se trata de uma jogada para permitir ao seu partido alcançar mais facilmente maiorias absolutas, prejudicando os partidos mais pequenos. Não cola a questão da representatividade. O deputado do Funchal eleito representa a Região no seu todo, não o seu concelho. Nem temos dimensão para voltarmos ao modelo antigo. Há assuntos de maior relevo e bem mais prioritários do que a revisão da Lei Eleitoral.

4. O caso que envolve o casamento no Fanal demonstra o desastre do Governo na gestão da comunicação. Reage a contragosto, tarde, mal e deixa para o presidente, com agenda pública diária, as despesas de todo e qualquer esclarecimento que deveria ser feito pelos serviços competentes, não poupando o chefe ao desgaste público em temas que não domina.