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Para além do óbvio

Se um jovem de 12 anos comete um crime, isso significa que algo de errado está a acontecer no seu desenvolvimento. O que se vai lendo, ainda com pouco significado do que de verdade contém, leva-nos para várias hipóteses de grave desatenção. Aparentemente o discurso oficial é de que não havia indicadores de risco. Aos poucos vão aparecendo informações que contradizem este lugar de normalidade. Bullying, acesso a sites de todo recomendáveis a um jovem de 12 anos e outros indicadores de que este jovem já teria dado sinal de que precisaria de ser ouvido. A verdade, ao que parece, é que ninguém percebeu.

Um olhar pouco atento às necessidades reais das crianças e aos seus movimentos e apelos de ajuda por um excesso de foco nos resultados escolares e outro tipo de preocupações, faz com que se passe muita coisa nas escolas em Portugal que, em crescendo, terminem em grande dor e sofrimento para todos.

O bullying no lugar da vítima e do agressor continua a passar despercebido por falta de atenção dos adultos próximos que, embrenhados nas suas funções, esperam das crianças um funcionamento saudável em regime automático. Há quem diga que atualmente as crianças e os jovens não facilitam a vida aos adultos. Eu penso exatamente o contrário.

Tem sido mais do que falado a importância do psicólogo nas escolas, não de um psicólogo mas de um serviço de psicologia que possa, para além de acompanhar e orientar as situações mais específicas, intervir no coletivo de alunos, professores e comunidade educativa. É fundamental promover competências de comunicação e ação que facilitem a relação entre todos e abram espaço para uma leitura da realidade que ultrapasse o foco nos objetivos escolares e de aprendizagem.

Atualmente as famílias também precisam de ajuda e orientação. Os pais estão muitas vezes sobrecarregados pelas rotinas de vida e pressionados pela escola para auxiliarem no processo de aprendizagem, fazendo-os muitas vezes sentirem-se culpados por comportamentos considerados, pela escola, inadequados. Os pais também precisam ser ouvidos e orientados. Hoje, tudo acontece demasiado rápido, o que muitas vezes não permite aos pais acompanhar a realidade dos seus filhos. O mundo paralelo da realidade online chega aos mais jovens muito antes da maior parte dos adultos sequer a perceber. Por isso é preciso atualizar conhecimentos, informação, desenvolver competências de comunicação e facilitar a relação. Tudo isto pode acontecer no espaço escolar com a participação de todos e sob a orientação de especialistas.

Para que tudo isto aconteça há muita coisa que tem que mudar. Condições na gestão do tempo de trabalho para os pais de crianças menores, de forma a poderem acompanhar ativamente o crescimento dos seus filhos; condições de trabalho e remuneração para os professores e outros intervenientes da comunidade escolar para se implicarem de forma ativa nas estratégias educativas, com motivação e agrado; integração nos planos curriculares de atividades diversas que facilitem o crescimento individual e em grupo.

O discurso político centrado neste jovem e na situação específica, que obviamente precisa de ser entendida na sua globalidade, não transparece a convicção do que tem que mudar no sistema político do país de forma a promover a mudança e criar uma sociedade globalmente mais feliz. Adultos infelizes e zangados não educam crianças e jovens num clima de bem estar. Viver de aparências, uma prática comum em Portugal, não torna a comunidade mais saudável. Enquanto não se pensar para além do óbvio, muitas histórias destas vão continuar a acontecer.