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Crónicas

O bom, o mau e a peixeirada

Sarjeta. Esterco. Esteja calado! Sabe ler? Acusações de corrupção, de amiguismo, entre outras pérolas dignas de uma manhã animada no velho Mercado do Bolhão

O bom: A revisão da lei eleitoral

Num tempo em que o terreno comum entre partidos é cada vez mais escasso e em que a mera tentativa de entendimento partidário é vista com desconfiança, é retemperador saber que ainda há assuntos unânimes. Por mais que as propostas de revisão da nossa lei eleitoral, submetidas por 4 partidos (PSD, PS, JPP e IL), tenham suscitado as indignações expectáveis sempre que se discutem as regras do jogo democrático, importa relembrar que, apesar das acusações trocadas, há mais em comum do que em desacordo. Em 2024, ficámos a saber que a maioria dos partidos está de acordo com a criação de um círculo regional de compensação, com a aplicação da lei da paridade na escolha de candidatos, com a possibilidade do voto em mobilidade e com a criação de um círculo eleitoral adicional para os madeirenses residentes no estrangeiro. Não é mau para início de conversa. Curiosamente, ainda que por razões distintas, a discussão ficou-se pelo direito ao voto dos eleitores residentes no estrangeiro, que sejam naturais da Região, e pela criação de círculos eleitorais concelhios por contraste com o atual círculo único. A propósito do voto dos madeirenses residentes no estrangeiro, não tardaram os habituais histerismos constitucionais, profundamente preocupados com o atentado à unidade do Estado que seria um emigrante votar nas eleições regionais. Não se trata sequer de uma inovação eleitoral. Basta relembrar que a Madeira (em 1990) e os Açores (em 1980) arriscaram soluções semelhantes, ambas aprovadas na Assembleia da República e chumbadas no Tribunal Constitucional. Sobre os círculos concelhios, é surpreendente que alguns partidos sejam contra a possibilidade de cada concelho ter os seus próprios deputados e, por isso, não estejam sujeitos ao habitual jogo das listas partidárias. É esse o problema de analisar a lei eleitoral com a máquina de calcular na mão.

O mau: Audições sobre a Madeira na República

Foi aprovado, na Assembleia da República, um pedido de audição parlamentar a várias entidades nacionais sobre os incêndios de Agosto na Madeira. Não é a primeira vez que se discutem assuntos regionais na Assembleia da República, nem seria inédita a discussão de temas nacionais nas Assembleias Regionais. Tudo é possível, desde que respeitado um princípio básico – os governos são politicamente responsáveis perante uma única Assembleia. No caso do Governo nacional, a Assembleia da República. No caso do Governo Regional, a Assembleia Regional. Uma vez que participaram meios nacionais e europeus no combate ao fogo na Madeira, não parece descabido que se faça uma avaliação política dessa intervenção. No entanto, o êxtase nas declarações de Miguel Iglesias, o figueirense mais madeirense da Assembleia da República, deixam antever a premeditação maquiavélica de quem está disposto a ferir de morte a nossa autonomia política e o princípio basilar de que os governos regionais respondem perante os deputados regionais, em troca da curta ribalta de uma audição parlamentar. Não se pense, no entanto, que os socialistas desconhecem as regras constitucionais da fiscalização governativa. O problema é que só se recordam delas quando lhes convém. Alguém se lembra da recusa de Pedro Nuno Santos e de Pedro Marques, ambos ministros do PS com a pasta da TAP, em serem ouvidos pela Assembleia Regional? O assunto tinha inegável interesse regional, o que justificaria, utilizando o mesmo critério das audições sobre os incêndios, a prestação de contas dos governantes. No entanto, o PS, pela mão de Victor Freitas, desenterrou um parecer da PGR para justificar que os ministros não prestam contas ao parlamento regional. Talvez pudesse reencaminhar o parecer a Miguel Iglesias.

A peixeirada: Debate – Eleições Chega

Sarjeta. Esterco. Esteja calado! Sabe ler? Acusações de corrupção, de amiguismo, entre outras pérolas dignas de uma manhã animada no velho Mercado do Bolhão. Foi deste calibre, o linguajar arremessado, entre candidatos, ao longo do debate em torno das eleições internas do Chega na RTP Madeira. O telespectador que sintonizou na esperança de assistir a um debate político, foi surpreendido por uma batalha campal, que terminou com Miguel Castro, talvez o mais calmo do trio de candidatos, a confessar-se envergonhado com a peixeirada. As lutas intestinas dos partidos são, reconhecidamente, dadas a exageros retóricos, tantas vezes muito além do que se vê nas campanhas eleitorais. No entanto, o embate televisivo entre candidatos à liderança do Chega faria corar de vergonha o mais ruidoso conviva de uma taberna medieval. Ao longo de uma hora, os candidatos, transformados em guerrilheiros de ocasião, levantaram – talvez inadvertidamente - o véu sobre a miséria que grassa nos bastidores partidários. Se essa qualidade é comum à maioria dos partidos, no Chega ganha uma dimensão indisfarçável. Foi confrangedor assistir à arma de eleição do Chega – a luta contra a corrupção – a ser brandida, impunemente, entre membros do mesmo partido. O feitiço virou-se, em direto, contra os feiticeiros. Se André Ventura assistiu ao debate, poderá ter-se divertido, mas julgo que não terá ficado satisfeito.