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Fact Check Madeira

Foi só mato que ardeu?

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Incêndios de Agosto continuam a dar que falar. Marcelo prepara vinda à Madeira.

Miguel Albuquerque considerou, ontem, à margem da presença no arraial do Bom Jesus, na Ponta Delgada, desnecessária a vinda de Marcelo Rebelo de Sousa para se inteirar dos estragos dos incêndios deste mês de Agosto: “Ver o quê? Não tem nada para ver. Há mato queimado e nós vamos recuperar. Não houve nenhuma casa nem nenhuma infra-estrutura afectada. O que é que ele vem fazer?”, disse o governante.

Marcelo? “Mas vem fazer o quê?”

Miguel Albuquerque considera desnecessária a vinda de Marcelo Rebelo de Sousa para se inteirar dos estragos dos incêndios deste mês de Agosto: “Ver o quê? Não tem nada para ver. Há mato queimado e nós vamos recuperar. Não houve nenhuma casa nem nenhuma infra-estrutura afectada. O que é que ele vem fazer?”, reagiu logo à pergunta colocada pelos jornalistas antes de participar na eucaristia do dia de Nosso Senhor Bom Jesus que decorre na Ponta Delgada.

Certo é que as declarações, nomeadamente o desvalorizar da área ardida na sequência dos incêndios do passado mês, continuam a suscitar muitas críticas, não apenas de especialistas, como até o DIÁRIO já deu nota das suas edições digitais e impressas, mas também nas redes sociais.

Mas será correcta esta ‘teoria’ de que foi apenas “mato queimado” que resultou dos fogos que assolaram a ilha?

Na passada sexta-feira, numa conferência convocada pela Secretaria Regional de Agricultura, Pescas e Ambiente, para apresentar o balanço pós-incêndio, nas áreas sob a sua alçada, ficamos a saber que a área ardida foi de 5.116 hectares, dos quais apenas 0,9% (139 hectares ou uma área compreendida a 139 campos de futebol) correspondem a floresta Laurissilva, que é património mundial natural da UNESCO e ocupa um total de 15.000 hectares. Dos 5.116 hectares área ardida, 32% estavam classificados como mato, 16% eram ocupados por carqueja e giesta e 9,3% por eucaliptos. 

Madeira quer intervir em terrenos privados sem donos conhecidos para prevenir incêndios

Projecto de decreto legislativa regional para criação de Projetos Integrados de Intervenção Territorial (PIIT) foi aprovado ontem em Conselho de Governo

Marianna Pacifico , 30 Agosto 2024 - 20:11

Secretaria que esclareceu também que apenas 14% do total da área ardida está sob gestão pública, sendo que os restantes 86% são propriedade privada, muita dela sem proprietário identificado, circunstância que vem justificar o projecto de decreto legislativo regional aprovado em Conselho do Governo Regional para criação de Projectos Integrados de Intervenção Territorial.

“Pois! É falta de percepção, é teimosia? Continuar a insistir que numa ilha que depende tanto do turismo, e que a natureza aí, talvez mais ainda do que o clima, desempenha hoje um factor de atracção incontornável, dizer que se não houve danos pessoais e materiais do incêndio, tudo o que queimou não é relevante (“Não há nada para ver...!”) revela uma incompreensão que não pode ser de alguém que está à frente do governo dessa ilha...! Ver 5000 hectares queimados numa ilha em que o verde é ‘rei e senhor’ é algo pouco digno de se ver, mas não pode ser nada...”. João Silva, um dos muitos leitores do DN a usar as redes sociais para manifestar a sua incredulidade perante o contínuo desvalorizar do sucedido

"A Laurissilva cresce e decresce conforme a vontade dos políticos"

Ex-presidente do Instituto das Florestas e Conservação da Natureza alerta que estão a desaparecer populações inteiras de espécies endémicas

Rúben Santos , 22 Agosto 2024 - 15:27

Ao DIÁRIO, numa reportagem publicada a 28 de Agosto, o biólogo Roberto Jardim, que já foi director do Jardim Botânico da Madeira - Eng. Rui Vieira, esclarece que o fogo poderá ter hipotecado importantes comunidades endémicas, que poderão nunca recuperar, uma vez que os mais altos picos concentram perto de 40 das cerca de 160 espécies que só existem na Madeira e muitas delas foram desterradas pelas chamas.  

“Uma das espécies que provavelmente foi extinta da natureza é a sorveira (‘Sorbus maderensis’), cuja população selvagem mais representativa, na zona do Chão do Areeiro, foi dizimada com o grande incêndio de Agosto de 2010. E as chamas que este ano chegaram ao Pico Ruivo terão dizimado o único núcleo, bastante pequeno, que existia nas proximidades do pico mais alto da Madeira, levando à sua extinção da natureza”, lê-se na publicação, que ali inclui outra espécie que terá sido bastante dizimada pelo fogo da última semana que é o cedro-da-Madeira (‘Juniperus cedrus subsp. maderensis’).

Especialista que insiste que cerca de 1/4 das espécies endémicas foram afectadas pelo fogo que lavrou durante mais de 10 dias, não só nos mais altos picos, mas também em zonas de floresta Laurissilva e, sobretudo, de Parque Natural da Madeira.

Também Helena Freitas, professora catedrática da Universidade de Coimbra, observou, ainda no decurso deste incêndio rural, que foi “uma semana a queimar milénios”. Aquela que já foi presidente da Liga para a Protecção da Natureza e é detentora da Cátedra UNESCO para a Biodiversidade e Desenvolvimento Sustentável dizia, à data: “ninguém fala da Laurissilva, ninguém fala da floresta única da Madeira. Toda a gente fala de matos e mais matos. Mas a Madeira não é apenas mato”.

O incêndio rural na ilha da Madeira deflagrou em 14 de Agosto nas serras do município da Ribeira Brava, propagando-se progressivamente aos concelhos de Câmara de Lobos, Ponta do Sol e Santana. Foi, ao fim de 13 dias, dado como “totalmente extinto” pela Protecção Civil.

“Ver o quê? Não tem nada para ver. Há mato queimado". Declarações de Miguel Albuquerque, sobre a vinda de Marcelo para ver 'in loco' os estragos causados pelos incêndios que assolaram a ilha durante mais de 10 dias.