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Vale de Judeus

É, também, evidente a falta de atenção política e de investimento transversal na justiça

Vale de Judeus. Estabelecimento prisional classificado como de “alta segurança”. Dia 7 de setembro de 2024, 09:57 horas, cinco reclusos fogem. A fuga só foi detetada mais tarde, “perto da hora de almoço, quando um guarda se apercebeu de uma escada encostada junto a um dos muros da prisão”. “Foi facilitada por uma série de falhas graves no sistema de segurança. O sistema de sensores de movimento e alarmes estava inativo há anos; a rede da cadeia não estava eletrificada, porque levava a falhas de luz; as torres de vigia foram demolidas em 2018 e o sistema de videovigilância, apesar de funcionar, não vigiava efetivamente – porque são 200 câmaras a serem monitorizadas apenas por um segurança, ao longo de dez horas”. O caso levou à demissão do Diretor-Geral e do Subdiretor dos Serviços Prisionais e a Ministra da Justiça falou em “desleixo, irresponsabilidade e falta de comando”.

A verdade é que “o caso expôs falhas significativas na gestão do sistema prisional, incluindo a falta de recursos, de pessoal e as condições precárias dos estabelecimentos”. E isto não é apenas “desleixo, irresponsabilidade e falta de comando” de quem está no terreno. Creio que é, também, evidente a falta de atenção política e de investimento transversal na Justiça nos últimos anos.

O “Pacto da Justiça” não passa das palavras e das páginas de jornais. Em 2016, na cerimónia de abertura do ano judicial, na primeira intervenção como Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa recuperou pomposamente a ideia do “Pacto da Justiça”, com a participação de todos, desde os partidos políticos aos operadores judiciários. Em janeiro de 2018, Juízes, Procuradores do Ministério Público, Advogados, Oficiais de Justiça e demais parceiros da Justiça realizaram uma Cimeira em Troia na qual anunciaram um consenso em “80 medidas” que remeteram ao Presidente da República. Depois disso, quase nada aconteceu verdadeiramente. Há falta de coragem na implementação de reformas estruturantes que transformem a Justiça, também do ponto de vista do seu funcionamento, com um investimento sério em recursos materiais e humanos, reconhecendo o percurso de todos os que trabalham nesta área e, acima de tudo, dando condições para que possam cumprir a sua missão com dignidade, motivação, segurança, eficiência e eficácia.

Não nos cabe aqui apurar ou imputar responsabilidades específicas, até porque não temos um conhecimento pleno da factualidade que levou à fuga daqueles reclusos perigosos, mas sabemos que muita coisa terá falhado para que tenham conseguido sair através de umas simples escadas e com o auxílio cúmplice do exterior, para onde comunicavam, com aparente facilidade, a partir do interior do estabelecimento prisional. Isto, curiosamente, numa altura em que o Governo da República lança a temática da proibição dos telemóveis nas escolas.