DNOTICIAS.PT
Artigos

No pasa nada

Quando escrevi, no início do mês, que a rentrée política na Região deveria ser marcada pela apresentação de uma moção de censura ao Governo, perante os gravíssimos e caricatos incidentes decorridos durante os incêndios que assolaram a Madeira em agosto, estava longe de imaginar que, afinal, pouco ou nada se passaria. Que, na prática, continuaríamos a nossa vida como se nada de grave tivesse acontecido.

Insisto no que já aqui escrevi: a oposição cumpriu o seu trabalho de escrutínio durante os incêndios e fez bem em centralizar a discussão política na Assembleia, ao promover as audições e comissões que estão previstas - mas isso não chega. E não chega porque a excecionalidade da situação foi tal que exige uma intervenção com consequências claras.

A pergunta que se coloca é óbvia: se o comportamento de Miguel Albuquerque e Pedro Ramos durante os incêndios, de total negligência e displicência, não merece censura política, afinal o que merecerá? Se PS e JPP não obrigam agora os partidos que suportam este Governo - CDS, CHEGA e PAN - a clarificarem as suas posições perante tão graves incidentes, com consequências danosas para todos nós, quando é que podemos esperar que tal aconteça?

Apenas o taticismo político-partidário poderá justificar que os principais partidos da oposição não sejam capazes de traduzir o sentimento generalizado dos madeirenses perante o que aconteceu numa ação política concreta, na única possível: de total censura perante o inaceitável. Não é compreensível que após um momento com a gravidade daquele que vivemos as lideranças partidárias estejam mais preocupadas com eventuais jogos de sobrevivência atual e futura do que com o estado a que a Madeira chegou.

Bem sei que numa parte da oposição parece persistir o fatalismo de interpretar sempre erradamente o ambiente político e escolher mal - consequência também de quem opta por rodear-se de conselheiros absolutamente incapazes, preocupados apenas com a manutenção do seu único sustento. Só isso justifica que, depois do que aconteceu entre janeiro e março, voltemos a ler quem defende a judicialização e a criminalização do exercício político como solução, quando uma avaliação política séria deveria ser suficiente para existirem consequências claras. Se não agora, quando?

É possível antecipar o que virá depois: primeiro, a dança do Orçamento, que acabará inevitavelmente aprovado, com as propostas da oposição chumbadas. Mais do mesmo dos últimos 50 anos. Depois, virão as eleições autárquicas, onde na vastíssima maioria dos concelhos a melhor discussão a que assistiremos provavelmente será entre o PSD A e o PSD B, porque na oposição não sobram nem estruturas, nem gente que se atravesse por uma alternativa, apesar do estado a que chegou o PSD. Ou seja, o que virá depois é mais do mesmo fatalismo político e partidário de quem insiste em fazer igual à espera de resultados diferentes.

Uma parte muito significativa dos madeirenses percebeu perante os incêndios de agosto que não dá mais: não dá para continuar com este Governo, não dá para esperar mais. A Madeira precisa de uma alternativa - e precisa já, construída por todos aqueles que se interessam mais pela Região e menos pela sua personalidade. Se nada for feito, tudo o que sobrará será novamente a frustração de quem por momentos esperou que alguma coisa mudasse. A consequência da inação será o aprofundar de um sentimento generalizado de que os partidos já não são capazes de interpretar e representar a vontade de todos aqueles que anseiam por uma alternativa capaz de redefinir o caminho da Madeira. Do que está então à espera a oposição para construí-la?

P.S. Já depois de escrever este artigo, fui confrontado com a guerra instalada na Assembleia entre PS e JPP para ver quem é, afinal, o verdadeiro pai das audições e comissões. Um episódio lamentável, que nos deixa incrédulos e reconfirma o óbvio: com o PSD a definhar, a oposição anda outra vez entretida com o acessório. Pobre Madeira: pior sorte era impossível. Im-pos-sí-vel.