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Análise

Perigo à espreita

Na semana em que a fuga de cinco prisioneiros da cadeia de Vale dos Judeus - a mesma onde cumpriu parte da pena o ex-padre Frederico Cunha, de onde também saiu numa precária para escapar para o Brasil - expôs um sistema frágil, obsoleto e até ridículo, nos Estados Unidos realizou-se o debate do ano, que opôs Kamala Harris e Donald Trump. Um frente-a-frente revelador para quem defende os valores da democracia e para quem os menospreza, para quem zela pelas liberdades individuais e para quem as apouca, para quem respeita a justiça e para quem a ignora. O ex-presidente fez nada mais nada menos do que 30 afirmações falsas durante o confronto, segundo o fact check elaborado pela CNN. Coisa pouca! Foi ao extremo de assegurar, para alimentar a sanha persecutória contra os imigrantes, que eles estariam a comer cães e gatos numa localidade qualquer do país. Por todos os motivos Donald Trump é um perigo para a sociedade, para a estabilidade, para a economia, para a tão desejada paz no Mundo. Não representa apenas um problema grave para o seu país, mas para a humanidade em geral. Apesar de ser sempre ridicularizado e apanhado a mentir, o inenarrável político consegue atrair um séquito de apoiantes também no nosso país. O terceiro maior partido – o Chega – apoia-o. Como não poderia deixar de ser, quando se tem como referência de líder europeu o primeiro-ministro húngaro, Viktor Órban. A narrativa explorada e difundida pela extrema-direita é preocupante e diz-nos a todos respeito. Temos de cuidar da democracia tal como a concebemos, livre de radicalismos e de agendas fracturantes, espúrias e desadequadas do tempo. O que o Chega faz ou tenta fazer é surfar a onda do descontentamento, potenciar o escândalo e surgir com receitas mágicas que nunca sairão do papel, por serem inexequíveis. Apesar de vir a perder fôlego – uma mentira contada muitas vezes não passa a ser verdade – continua a ser um ‘elefante dentro de uma loja de porcelanas’ e um perigo para a sociedade.

De hoje a oito dias há eleições para a estrutura regional do partido. Para um universo de pouco mais de 500 militantes existem 3 candidaturas, uma delas encabeçada pelo actual líder. O lugar é, como se vê, apetecível, num partido que vive exclusivamente da acção, omissão e sombra de André Ventura e que não goza de autonomia face a Lisboa. Haveria muito a dizer sobre o que defendem (mais sobre o que não defendem) para as autonomias regionais, mas isso fica para uma análise posterior. O que importa reter é que 3 dos 4 deputados que elegeu à Assembleia Legislativa fazem diferença entre a estabilidade ou o fracasso do governo regional. Deve-se a eles e à deputada do PAN a passagem do Orçamento para este ano, mas até onde estarão disponíveis a ir para manter no poder um partido de quem se divorciaram a nível nacional? Com o PS e o JPP fora da equação, por questões estratégicas, será ao Chega na Madeira quem caberá zelar pela sobrevivência de Miguel Albuquerque.

2. A saga dos incêndios que devastaram mais de 5 mil hectares de terreno em Agosto continua, agora na vertente política, com uma narrativa excessivamente partidária, que é o que não interessa para o apuramento total de responsabilidades. Que a ida da ministra da Administração Interna à audição parlamentar na Assembleia da República, a pedido do PS, sirva para esclarecer como foi feita a gestão dos meios e o diálogo estabelecido com o Governo Regional durante os dias da tormenta. Houve falhas clamorosas e demoras inexplicáveis? A resposta tende a ser afirmativa, mas convém que sejam os responsáveis políticos a esclarecê-la de forma cabal. Que a ocasião seja especialmente aproveitada para confrontar o Governo da República sobre a necessidade de dotar a Região de mais um meio aéreo de combate aos fogos. É que, entretanto, Portugal vai contar com mais três helicópteros para os incêndios rurais, aproveitando as verbas do PRR. A Madeira vai ficar fora da equação?

Que o debate que vai ser feito no parlamento regional e no nacional (estaria Margarida Blasco disponível para vir à comissão de inquérito da ALRAM ou usaria os mesmos argumentos dos ministros do PS que se recusaram a pôr cá os pés quando foram convocados?) não sirva apenas para a emissão de ‘soundbites’ mais ou menos estridentes, nem para marcar a agenda eleitoralista dos partidos. A culpa pela devastação da floresta, a haver, não pode morrer solteira.