Esse tempo em que estava tudo a mudar
O anúncio a dizer que o beep tinha chegado à Madeira ocupava uma página inteira dos jornais e, na redação, o fax cuspia folhas de papel com as convocatórias das conferências de imprensa ou engolia as informações que se queria enviar quando não era possível mandar o paquete entregar um envelope. A maioria das pessoas com menos de 45 não sabe sequer do que falo, mas a meio dos anos 90, a vida moderna girava em torno de aparelhos como a impressora e precisava de disquetes para levar informação de um computador para outro.
O trabalho, pelo menos nos jornais, fazia-se ao computador e isso era estar a viver no futuro. A mim, que acabara de chegar da faculdade e apanhava o autocarro do Jamboto todos os dias, parecia-me tudo o melhor, o mais inovador e fiquei ainda mais convencida quando vi o espanto do meu pai. O computador portátil foi a casa por causa de uma viagem e ele andou à roda, quis ver como era ligado para depois exclamar, a meio de um riso nervoso, que “isso só falta falar”.
Eu fiquei orgulhosa. Foi uma maneira de lhe dizer que, embora não recebesse muito, estava num lugar onde se mexia em aparelhos tão espantosos como os que apareciam na televisão. E a televisão era a medida do sucesso. Para o meu pai e para todas as outras pessoas, pois nessa altura as notícias sobre os telemóveis e a internet não entusiasmavam as massas. Nem a mim, devo dizer. A comunicação ainda se fazia frente a frente ou pelo velho telefone fixo.
O de casa e o do jornal, os números constavam do cartão de visita que mandei imprimir com o meu nome. Lembro-me que meti uns quantos na carteira, distribui outros pelas tias e pelos amigos, mas a verdade é que lhes dei pouco uso. O mundo estava prestes a mudar e a mandar para a categoria da arqueologia tudo o que me parecia moderno: ter um telefone fixo pessoal, o computador ainda rudimentar e os cartões de visita a anunciar-me como jornalista.
Os cartões encontrei-os esquecidos numa prateleira no Laranjal. O meu pai, talvez empolgado pelo computador e pelos livros que se acumulavam em torres no meu quarto, ofereceu-me uma estante onde pudesse arrumar o meu novo modo de vida. Ainda estão por lá umas micro cassetes com entrevistas gravadas, umas disquetes que não sei o que guardam e montes de revistas dos anos 90, com reportagens de viagens à Patagónia e assuntos que me interessavam como a luta dos zapatistas no México e a independência de Timor Leste.
A pessoa que se anunciava como jornalista - e lembro-me de como me soube bem dizer , pela primeira vez, a minha profissão quando fui ao dentista - era antes de mais uma miúda de 20 e poucos anos, que queria ser tudo e antes de fazer 30, como se depois disso, fosse tarde demais para viajar, para se apaixonar e ter sucesso. Naqueles anos, em que estava tudo a mudar, ainda se confundia juventude com felicidade. Eu sei que não é verdade, mas, às vezes, tenho saudades daquela jovem que apanhava todos os dias o autocarro do Jamboto para ir trabalhar e sentia orgulho nisso.