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Inquisições, Indexes e destruição Cultural

Todos conhecem a história de Portugal. E o papel nefasto da sua mais sombria instituição, a inquisição. Quer enquanto regeu o país, durante quase três séculos, quer pelo impacto que teve no simbólico nacional e, por arrastamento, em toda a sociedade e nas restantes instituições. Falo da sua função de imposição de um pensamento único. E, obviamente, da perseguição a quem se atrevesse a ser diferente.

Todos sabem, ainda, o quão nefasto também foi, especialmente em países de maioria católica apostólica romana, o Index dos livros proibidos. Instituto que vigorou durante mais de quatrocentos anos, já que só foi abolido em 1966, pelo Papa Paulo VI. Em especial porque contrariou o desenvolvimento científico, social e económico, ao impedir outras leituras, visões e perspetivas do mundo. A exemplo, sublinhe-se, de outras religiões, já que tal atitude não foi, nem é, monopólio do cristianismo.

Noutro plano, ninguém se esquece dos movimentos aprendizes dos que nasceram no século XVI. Leia-se, o nacional-socialismo, o fascismo e o comunismo do século XX, que contribuíram, como aqueles, com os seus indexes e as suas inquisições corporizadas nas suas polícias políticas, para destruições massivas de cultura.

Contudo e como a memória parece ser curta (porventura, como releva Allan Bloom em ‘A Cultura Inculta’, porque é esta que nos parece reger), assiste-se a um renovar de movimentos inquisitoriais e instituidores de novos indexes.

Ora travestidos do que autoproclamam ser a necessidade de reposição da verdade. Que assumem como única e absoluta, a par da infalibilidade dos seus líderes. Claramente em linha com o que ocorreu em séculos anteriores, seguindo os exemplos das inquisições, dos indexes e dos “ismos” do século XX, enquanto verdadeiros movimentos anti-cultura. Que contribuíram, pela sua ação, para a destruição de inúmeras ideias e perspetivas inovadoras, com isso retardando o desenvolvimento humano generalizado.

Assim, não nos iludamos! A exemplo dos movimentos retrógrados dos séculos anteriores, os atuais, assumindo-se também como os únicos e exclusivos detentores da verdade, encetaram e continuam a procurar desenvolver, como aqueles, um processo de destruição cultural massiva, que é, concomitantemente, atentatório do conhecimento.

Tendo começado por estátuas, alarga-se agora à imposição de retirada de determinados livros (ou partes dos mesmos), nomeadamente dos estudos escolares. Bem ainda à indução da obrigatoriedade de não se utilizar determinada terminologia, como se a linguagem não devesse refletir a realidade concreta e objetiva que nos rodeia, questão que, imagine-se, se ‘impinge’ já às práticas comerciais.

O pior, porém, é a incapacidade de muitos perceberem (ou quererem ver!) a dimensão dos atentados subjacentes. À cultura. Ao direito a ser-se, efetivamente, diferente. Ao direito de cada um ao pensamento crítico. ‘Last but not least’, ao direito à liberdade de expressão, todos valores fundamentais às sociedades contemporâneas.