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Fact Check Madeira

Todos os chefes de Governo respondem por escrito às comissões de inquérito?

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O líder do PS-Madeira, Paulo Cafôfo, anunciou o requerimento de constituição de uma comissão parlamentar de inquérito para “apurar responsabilidades no combate aos incêndios” de Agosto passado. Uma comissão que será constituída, sem necessitar de aprovação em plenário, uma vez que é exercido o direito potestativo do grupo parlamentar de requerer uma comissão parlamentar por cada sessão legislativa.

O PS já adiantou que pretende ouvir, entre outros, o presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque e o secretário regional de Saúde e Protecção Civil, Pedro Ramos. Embora a comissão ainda não tenha sido constituída, parece certo que Miguel Albuquerque irá optar por responder por escrito, como fará em relação às audições parlamentares sobre a mesma matéria, beneficiando de um direito legal que lhe permite não se deslocar ao parlamento para ser ouvido.

Uma opção que tem sido motivo de contestação, da parte dos partidos da oposição, mas que é fruto de uma disposição legal. O que importa averiguar é se este direito é exercido por todos os titulares de cargos públicos que o podem fazer.

Tanto o Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, da Assembleia da República, cuja revisão mais recente é a Lei N.º 30/2014 de 6 de Junho, como o regime equivalente da Assembleia Legislativa da Madeira (Decreto Legislativo Regional N.º 23/2017/M de 2 de Agosto), determinam que “as comissões de inquérito podem convocar qualquer cidadão para depor sobre factos relativos ao inquérito”.

Uma convocatória que tem um valor semelhante às dos tribunais e que prevê que “a falta de comparência, a recusa de depoimentos ou o não cumprimento de ordens de uma comissão parlamentar de inquérito no exercício das suas funções são puníveis como crime de desobediência, nos termos da lei geral” a que corresponde uma participação dos Ministério Público.

No entanto, no artigo 16.º da Lei que rege os inquéritos da Assembleia da República, no ponto 2, são criadas excepções em relação à presença na comissão: “O Presidente da República, bem como os ex-Presidentes da República por factos de que tiveram conhecimento durante o exercício das suas funções e por causa delas, têm a faculdade, querendo, de depor perante uma comissão parlamentar de inquérito, gozando nesse caso, se o preferirem, da prerrogativa de o fazer por escrito”.

Uma norma que tem um equivalente no ponto 2 do artigo 8.º do decreto legislativo dos inquéritos do parlamento regional: “Gozam da prerrogativa de depor por escrito, se o preferirem, o Presidente do Governo Regional, os ex-Presidentes do Governo Regional, o Presidente da Assembleia Legislativa, os ex-Presidentes da Assembleia Legislativa, que remetem à comissão no prazo de 15 dias, a contar da data da notificação dos factos sobre os quais deve recair o depoimento, declaração, sob compromisso de honra, relatando o que sabem sobre os factos indicados.”

Nos Açores, o artigo 13.º do regime jurídico das comissões de inquérito tem uma redacção quase igual à da legislação madeirense.

No caso da Assembleia Legislativa da Madeira há a diferença de ser estabelecido um prazo para as respostas, o que não acontece na Assembleia da República.

Ou seja, se Miguel Albuquerque for convocado para a comissão e inquérito, terá 15 dias após a recepção das perguntas para responder aos deputados.

Os dois regimes jurídicos são semelhantes, pelo que é necessário comparar os comportamentos dos políticos abrangidos pela excepção.

No caso do presidente do Governo Regional, o seu equivalente, na República, será o primeiro-ministro, uma vez que são ambos chefes de governo.

Uma pesquisa ao histórico de comissões de inquérito da Assembleia da República que envolveram um primeiro-ministro em exercício ou um ex-titular do cargo, mostra que nessas situações as respostas foram por escritos.

Os dois exemplos mais recentes são dos dois últimos chefes de governo socialistas.

Em 2019, José Sócrates foi uma das personalidades ouvidas na comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos, na qualidade de ex-primeiro-ministro. O antigo governante optou por responder por escrito às 86 perguntas dos deputados, numa carta com 23 páginas.

Sócrates diz que foi pressionado pelo presidente da Sonae na OPA à PT

O ex-primeiro-ministro socialista José Sócrates disse, em resposta à comissão de inquérito à CGD, que o seu Governo manteve neutralidade na OPA da Sonae à PT e a única pressão veio do presidente da Sonae.

Mais recente é o caso de António Costa que foi questionado na comissão inquérito ao ‘caso das gémeas’ que ainda decorre na Assembleia da República. Segundo notícias da última semana, as respostas já foram enviadas aos deputados.

"Gémeas". Perguntas a António Costa já estão na posse da Comissão Parlamentar de Inquérito

A Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso das gémeas já recebeu as perguntas de todos os partidos que se comprometeram a enviar questões dirigidas a António Costa. Foi o que apurou a Antena 1 esta tarde.

Antes, em inquéritos que ficaram famosos como os do ‘Caso Camarate’, apenas alguns políticos já retirados terão optado por uma reposta presencial.

Nos Açores, no inquérito sobre a SATA, em 2019, a inquirição a Vasco Cordeio, então presidente do Governo Regional, foi pedida pelo PSD, admitindo desde logo a resposta por escrito.

A ‘regra’ para chefes de governo parece ser a resposta por escrito, mas o mesmo acontece com outras figuras do Estado que constam do artigo de excepção, como os presidentes da República. No ‘caso das gémeas’, Marcelo Rebelo de Sousa ainda nem esclareceu se irá responder ao parlamento. Se o fizer, é garantido que será por escrito e o mais provável é que opte por uma mensagem à Assembleia e não pela resposta directa a perguntas da comissão de inquérito.

Mais recentemente, na comissão parlamentar de inquérito às ‘obras inventadas’, na Assembleia Legislativa da Madeira, verificou-se uma situação curiosa. Os deputados não convocaram o ex-presidente do Governo Regional Alberto João Jardim que no entanto fez questão de afirmar que gostaria de ter ido ao parlamento explicar várias situações. Também ele, na qualidade de ex-presidente do Governo, poderia responder por escrito.

Uma primeira conclusão é que, pro regra, os chefes de governo, da República e das Regiões Autónomas, respondem pro escrito às comissões de inquérito.

Audições seguem a mesma ‘regra’

Antes da comissão de inquérito do PS ser constituída, já hoje, a 5.ª Comissão Especializada de Saúde e Protecção Civil da Assembleia Legislativa vai apreciar a resposta de Miguel Albuquerque a um pedido de audição sobre os incêndios.

"Eu vou fazer a resposta nos termos do regimento [do parlamento regional], como sempre respondi, que é por escrito. Como é habitual nas comissões, a prerrogativa do presidente do governo é responder por escrito, portanto vou responder por escrito, como fiz nas outras comissões", explicou Albuquerque, quando questionado sobre a sua presença nas audições parlamentares.

Uma resposta por escrito que tem sido a regra no que diz respeito ao presidente do Governo Regional e ao primeiro-ministro, e que é aceite pelos dois parlamentos mas que não tem qualquer referência nos regimentos das duas assembleias. Uma questão jurídica a debater.

Presidente da República, primeiro-ministro e presidentes dos governos regionais usam sempre a possibilidade de responder por escrito às comissões de inquérito e às audições?