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“Deixa arder”

Acho que toda a gente “ora” para que o Outono venha mansinho e para que, o que ficou solto, não venha em cima de nós

A frase mais insensível e grave que ouvi acerca do violento incêndio que assolou, durante 11 dias, alguns concelhos da Madeira, veio da boca do responsável máximo da Proteção Civil da Região, que todos os dias ia ao telejornal regional fazer o ponto da situação e responder às perguntas que lhe eram colocadas. Às dificuldades sentidas no terreno pelos bombeiros em relação ao lume que consumia as montanhas, a resposta era “deixa arder e quando o fogo estiver mais baixo apagamos com as mangueiras e os recursos existentes, que são suficientes”. Em resposta à necessidade de pedir ajuda com meios aéreos, vinha a explicação que na nossa região esses meios não podiam atuar devido à orografia.

Então gerou-se uma situação que levantou a revolta de uns e a passividade de outros. O Presidente do Governo Regional passava as suas férias no Porto Santo como se nada estivesse a acontecer porque, afinal, só restava a solução do deixar arder. O Secretário Regional, embora um pouco mais presente, fartou-se de repetir até a exaustão, com aquele seu sorrisinho cínico, que estava tudo sob controlo e não era necessária ajuda externa.

Entretanto, o fogo foi devastando tudo à sua passagem. As populações afetadas ou iam sendo deslocadas sem saber o que iria acontecer aos seus bens, ou “teimosamente” e “orgulhosamente” defendiam como podiam as suas casas e tudo à sua volta. Aqui entra o papel sempre presente dos e das autarcas, que foram incansáveis, em ajudar no que podiam. Bastava olhar para os semblantes carregados para perceber a diferença entre eles e os Governantes Regionais.

Até que chega o dia de pedir ajuda externa. Sem muitas explicações do porquê da demora desse pedido, essa ajuda chega pontual e vai logo para o terreno combater o fogo. Primeiro, foram homens e mulheres que vieram do continente e dos Açores. Depois, foram dois aviões Canadair que vieram de Espanha.

Entretanto, os Governantes já tinham encerrado as casas de férias e não faltaram para as fotos que diariamente entupiam tudo o que era meio de informação. Com todos os meios no terreno, o incêndio foi considerado extinto em 4 dias. A questão que se coloca é a seguinte: se os meios aéreos fossem chamados mais cedo para combater o incêndio, os resultados não poderiam ter sido diferentes nos terrenos que foram deixados arder?

Alegam os governantes que o combate foi um sucesso porque não morreu ninguém nem as casas foram atingidas. Mas com o coração do nosso maciço central completamente ferido. Com os nossos picos e vales queimados, podemos ficar descansados que, com chuvas fortes, coisas graves não podem acontecer? Sobre isso tenho estado atenta ao que os verdadeiros especialistas e entendidos sobre a matéria têm dito e a minha preocupação aumenta, até porque não é preciso ser especialista para perceber que a nossa Região, depois deste incêndio medonho, ficou mais frágil e nunca mais será a mesma. Acho que toda a gente “ora” para que o Outono venha mansinho e para que, o que ficou solto, não venha em cima de nós.

Politicamente falando, considero que o comportamento dos Governantes Regionais responsáveis pela nossa proteção foi trágico. Foram insensíveis, mostrando incompetência e até falta de humanidade. Mas quem os elegeu é que lhes deve pedir contas e decidir se os vão continuar a apoiar. Mas desta vez, eu, que não votei para os eleger, senti vergonha alheia em ser madeirense.