Sobre a impessoalidade no tratamento da saúde mental
Vem de muito longe, a abordagem à doença mental, havendo evidências em descobertas antropológicas, que demonstraram que os humanos no período neolítico, estavam convencidos que a abertura de um buraco no crânio, permitiria libertar os espíritos malignos que habitavam a cabeça dos que enfermavam de transtorno mental, curando-os desse modo. Mais tarde, os egípcios, mais progressistas, através dos curandeiros, recomendavam aos enfermos de doença mental, a prática de atividades recreativas, como a dança, a música ou até a pintura, buscando assim o retorno daqueles a alguma “normalidade”. Na Grécia antiga, os problemas mentais teriam origem na dimensão divina, e assim, seriam derivados da ação de uma deusa ou deus encolerizado. Acreditava-se que o afetado, teria “ofendido” uma determinada divindade e como resultado era alvo da sua ira. Será o médico grego Hipócrates (460 - 370 a.c.), que declinará a ideia de que a desestabilização mental tinha origem na irritação e cólera dos deuses. Chegados à idade média, a crença grega de que os desequilíbrios mentais teriam origem em “manifestações naturais do corpo” de certo modo mantêm-se, introduzindo-se, no entanto, o uso de laxantes e até sanguessugas com o objetivo de repor o equilíbrio no corpo dos enfermos. A planta medicinal, heléboro negro, já usada pelos gregos, continua a ser utilizada no tratamento de desordens mentais.
Chegados a tempos mais recentes, temos o único médico português laureado com o prémio nobel da medicina, Egas Moniz, por ter contribuído para a compreensão do funcionamento do cérebro humano. Inventou uma técnica cirúrgica, a leucotomia pré-frontal (lobotomia) que visava modificar comportamentos ou curar doenças mentais. Um modo de intervenção muito polémico, e que viria dar muita discussão, já que os resultados eram questionáveis. Entra-se depois na era dos psicofármacos, na qual ainda nos encontramos, tratando-se de uma abordagem mais humanizada e que inegavelmente, tem em grande parte feito frente ao problema dos transtornos mentais. O estigma social e abordagem impessoal persistem, mas do ponto de vista da saúde física e mental do doente, a abordagem através da psicofarmacologia moderna, muito ajudou. E embora essa aposta se mantenha, concomitante e complementarmente, há uma nova aproximação, com acompanhamento psicológico e novas abordagens, como é o caso das técnicas de yoga, da meditação e outras formas de terapia, onde o uso da música e da arte também têm lugar. Na atualidade, talvez um dos grandes problemas da abordagem à doença mental, seja a questão da impessoalidade no tratamento, pois trata-se de uma dimensão muito significativa, que pode afetar negativamente a eficácia dos cuidados prestados. Essa impessoalidade pode resultar da falta de empatia e compreensão por parte dos profissionais de saúde mental, sendo a conexão empática entre o terapeuta e o paciente, crucial para o sucesso do tratamento, pois ajuda a construir confiança e a promover um ambiente seguro para a expressão de sentimentos e preocupações. Quando os pacientes se sentem desconectados ou mal compreendidos, a probabilidade de não seguirem as recomendações de tratamento aumentam, quando é evidente que a adesão ao tratamento é fundamental para a recuperação e a gestão eficaz de doenças mentais. Por outro lado, a falta de uma abordagem personalizada, pode levar a diagnósticos e tratamentos imprecisos. A avaliação completa e correta de uma doença mental, requer uma compreensão profunda do contexto de vida do paciente, seus sintomas e sua história pessoal. A sensação de ser tratado de maneira impessoal pode gerar desmotivação e desesperança nos pacientes, podendo levá-los a acreditar que não há esperança para melhorar, ou que as suas experiências e sentimentos não são levados a sério, o que pode agravar sua condição mental. Porque a saúde mental envolve uma grande quantidade de interações emocionais, quando os doentes são tratados de maneira impessoal, isso pode contribuir para perpetuar a visão de que as doenças mentais não são dignas de atenção individualizada e cuidadosa, aumentando a estigmatização e o preconceito. Se o profissional de saúde mental não estabelece uma conexão empática e genuína com o paciente, este pode sentir-se incompreendido e não valorizado, e esta ausência de uma relação de confiança pode impedir que o paciente se abra completamente, comprometendo a eficácia do tratamento. A impessoalidade pode também, levar à desumanização dos pacientes, ao abordá-los como casos clínicos ou números, e não como pessoas com histórias e experiências únicas. Isso pode gerar sentimentos de isolamento e alienação, agravando os problemas. A falta de uma aproximação personalizada pode levar a um círculo vicioso, onde os pacientes, insatisfeitos com o tratamento, evitam procurar ajuda no futuro, resultando em uma deterioração contínua da saúde mental ao longo do tempo. Pacientes que se sentem tratados de forma impessoal são menos propensos a aderir ao tratamento e podem ter uma visão negativa do sistema de saúde. A satisfação do paciente está fortemente correlacionada com a qualidade do relacionamento terapêutico. Para concluir, a impessoalidade no tratamento da doença mental pode ter efeitos profundos e duradouros na saúde e bem-estar dos pacientes, razão pela qual, abordagens que priorizam a individualidade, empatia e compreensão, são essenciais para promover a recuperação e o tratamento eficaz. É assim fundamental, que os sistemas de saúde mental e os seus profissionais, embora exija uma grande e louvável dedicação, trabalhem para assegurar que os tratamentos sejam tão pessoais e humanizados quanto possível.