Não, as cabras não são a solução para a prevenção dos incêndios na Madeira

Sempre que há um incêndio catastrófico, levanta-se um coro clamando pela redução do combustível através do pastoreio, mormente por cabras. Uma vez, por brincadeira, disse-me um dos maiores especialistas nacional em fogos florestais, o Paulo Fernandes, que usou a expressão ‘cabras sapadoras’ e a expressão caiu de tal modo no agrado de todos que já faz parte inexorável do jargão nacional do tema.

Na Madeira não tem sido diferente nos últimos dias volta-se a falar no assunto, como solução técnica salvífica, que, a mais, seria supostamente do agrado dos agricultores e pastores madeirenses. Trata-se de voltar a introduzir o pastoreio por cabras na serra e também na Laurissilva. O geógrafo Raimundo Quintal, entre outros, já veio, e muito bem, dizer que tal ideia tem pouco sentido como medida de prevenção dos incêndios na Laurissilva.

Esta mesma discussão tem corrido nas redes sociais e respondia assim o agrónomo e botânico Carlos Aguiar a um colega que sugeria o uso do pastoreio para diminuir o combustível e logo os incêndios na Madeira:” É preciso repetir alto e bom som que os ecossistemas insulares oceânicos não evoluíram sob a pressão de mamíferos herbívoros. As cabras ou ovelhas vão consumir a regeneração das espécies indígenas e [fazer] pender o filtro ambiental criado pelo fogo em favor das invasoras [ex. giestas, carqueja, acácias]. É um enorme erro introduzir cabras e ovelhas nas áreas ardidas da Madeira”.

Eu digo que não há muito que acrescentar, só uns breves comentários. As cabras são úteis para consumir arbustos, mas ao mesmo tempo promovem-nos pelo pastoreio seletivo que fazem e assim, acabam por facilitar o fogo. Pelo uso das cabras há um balanço que pode ter dois resultados opostos: a seleção positiva de arbustos, por um lado, e o consumo de biomassa por outro. Deste modo, pode resultar que, ao invés, as cabras sejam promotoras de fogo e nada 'sapadoras'.

No caso da laurissilva, a presença de cabras ou é indiferente se houver baixa densidade de animais ou frequentemente negativa. As cabras não diminuem significativamente os combustíveis finos das comunidades florestais como a folhada, por exemplo (novamente o Paulo Fernandes explicou-me isso). Assim, ao invés, as cabras estão a destruir a regeneração das árvores e a eliminar as plantas do ‘sob coberto’ natural. Lembro-me bem de ver cabras na Laurissilva da Madeira. Consumiam a regeneração de algumas árvores e alguns rebentos tenros de arbustos de folha larga no ‘sob coberto’. Alguns sítios pareciam sofrer uma diminuição clara da regeneração natural de árvores e noutros estavam a entrar muitos arbustos invasores exóticos por efeito da eliminação competitiva das plantas nativas. Isto resultava na degradação da qualidade ecológica e aumento do risco de incêndio na Laurissilva – pelo efeito direto das cabras.

O responsável da área florestal da altura, o Engenheiro Rocha da Silva, pessoa de cultura técnica e senso extraordinários aliás, consegui mandar retirar as cabras da serra, negociando indemnizações com os pastores e indubitavelmente sucederam-se claras melhorias na floresta.

Noutros ecossistemas, a melhoria foi também evidente como nas ‘mangas’ - prados de montanha cheios de plantas endémicas, onde nidificam as freiras-da-madeira e que se expandiram a olhos vistos (mas cuja maioria ardeu esta semana).

No Paul da Serra, ou locais comparáveis, teria sido preciso controlar as invasoras arbustivas mecanicamente após retirada de gado, ou talvez - este ser o único sítio onde o pastoreio ainda seria admissível, por causa da expansão da ‘carqueja’ e ‘feiteira’.

O tema não é simples e muitas vezes algumas receitas preconizadas por alguns agentes da área florestal são pouco avisadas acerca das especificidades da vegetação insular; a Laurissilva funciona da sua própria forma especial, por isso, cuidado com as receitas genéricas e importadas de outras áreas do país.

Jorge Capelo